Capítulo 5

— Uau! Você é rápido, hein? Já escreveu tudo isso? — Perguntou admirada, dando-me chance de mergulhar no brilho de seus olhos.

— Eu vivi essa estória a minha vida inteira. As palavras meio que saem pelas teclas. Veja isso: A posição dos corpos não faz sentido. Como um tiro pode ser disparado de frente, por Ângelo, matando o irmão, e a perícia dizer que ele se suicidou na sequência, se seu corpo está posicionado quase ao lado do corpo de Augusto?  Os dois de barriga para cima. Note que suas mãos quase se tocam. Isso é impossível! — Digo, mostrando-lhe a velha foto, enquanto ela franze o cenho.

— Bem, talvez ele tenha se postado ao lado do irmão antes de se matar. Justificaria a posição.

— Sim. Mas por que faria isso? Veja como dá a impressão de que os corpos parecem ter sido arrumados. Os dois estão com as pernas esticadas e os braços ao lado do corpo. Isso é possível? Quer dizer, você no mínimo deveria ter uma perna aberta, caída para o lado, ou mesmo um dos braços de Augusto deveria estar erguido, se protegendo da fúria do irmão. No entanto, Augusto está com a mão sobre o peito como se tivesse dormindo.

— É. Pensando bem, faz sentido o que está dizendo.

— Faz todo o sentido, Marina, e tem mais: quem se suicida com um tiro na têmpora e dois no coração?

— Dois tiros? Você nunca mencionou que foram dois tiros no coração.

— Fiquei sabendo pelos relatos de tia Eneida. E quer saber do mais incrível nisso tudo?

— Ainda tem mais?

— A moça. Veja a foto. Está deitada de bruços, no corredor que leva até a copa e a cozinha.

— Sim. Parece que foi alvejada antes que os irmãos se matassem.

— Exato, contudo, por que seu rosto foi desfigurado?

— Desfigurado? Santo Deus! Isso ficando pior a cada palavra!

— Também foi o que descobri por tia Eneida. Nenhum jornal citou isso. Parece que ela teve acesso a alguns documentos através de um antigo aluno que se formou policial.

— Caramba! — disse sentando-se no sofá, um pouco pálida — Você tem certeza que quer continuar com isso?

— Tenho. Preciso descobrir o que aconteceu.

— Mas como fará isso? Quer dizer, as pessoas envolvidas já estão mortas. E de que adianta?

— Quero provar que Ângelo não matou Augusto. Eles tinham lá suas diferenças, mas tenho certeza de que não matou o irmão.

— Não sei, Alberto. Não gosto muito disso. É uma estória real, a estória da sua família. Um filme sobre isso...

— Vou terminar o roteiro, Marina. Não sei como chegar ao final, mas vou descobrir. Porei um anúncio na rede procurando por pessoas que se lembrem do caso. Qualquer coisa que puder ajudar fará com que eu chegue à verdade.

— Isso é uma loucura!

— Sei que tem pessoas fascinadas por essa estória. A casa lá. Muita gente a visita à procura de sensações. Muitas pessoas procuraram pelas discrepâncias da tragédia. Vou anunciar que faremos uma peça sobre eles...

— Peça? Não vai fazer o filme?

— Ainda não sei. Talvez seja mais fácil uma peça de teatro. Nós podemos filmar a fazenda e projetá-la atrás do cenário principal. Ainda não sei. Estou focado no enredo.

— Entendi. Então não precisa mais de mim? — Perguntou com um brilho estranho nos olhos.

— Vou sempre precisar de você, Marina.

Ela me olhou, inquieta. Respondi com toda a certeza que sentia na alma. Pensei tê-la visto vacilar por alguns instantes, mas logo rompeu o contato visual fazendo aquele pequeno lance deixar de existir. Sorri com o canto da boca e voltei os olhos para a tela.

— Talvez dê certo — disse, dando de ombros — Talvez apareça alguém que saiba o que aconteceu. Alguém disposto a falar.

— É o que espero. De verdade! Vamos jantar? Acho que já está pronto.

— Ainda bem. Estou faminta.

Conversamos sobre banalidades enquanto devorávamos o macarrão. Eu adorava vê-la comer. Não tinha nenhum pudor quando se tratava de seu estômago. Cheguei a sair com garotas que apenas beliscavam a comida, não sei se para me impressionar, ou se por conta de alguma dieta maluca. Mas com Marina não! Ela comia com sofisticação e pronto.

— O que foi? Por que está me olhando com essa cara?

— Nada! — Disse sorrindo.

— Eu disse que estava faminta — sorriu enrubescendo — E confesso que você sabe fazer um macarrão danado de bom. — limpou os lábios e sorveu mais um pouco do vinho — Nossa! Já está tarde. — Comentou embaraçada, checando o celular.

— Nem tanto assim. — Respondi, escondendo minha decepção. Queria ficar um pouco mais com ela.

— Bom. Depois de saciar a fome e a sede, dificilmente conseguirei prestar a atenção em nossa conversa sem cochilar. Acordei super cedo. Mas não pense que não estou interessada — levantou-se e levou o prato à pia — Quer que arrume para você antes de sair?

— É claro que não. Eu faço isso.

— Por isso adoro você, querido — disse bocejando — Acho que já vou indo, Alberto. Me liga se descobrir alguma coisa através do anúncio. — Pediu, à porta de entrada.

— Você poderia me ajudar a escrever o roteiro, ou mesmo, revisá-lo para mim. Poderíamos ler as anotações juntos. Talvez me ajude a ver alguma coisa que perdi — pedi tentando não mostrar ansiedade — Sabe, duas cabeças...

— Não sei. Não levo muito jeito para escrita, mas, de repente pode ser uma ideia interessante.

— Poderíamos ler e discutir as passagens...

— Ok. Você me convenceu. Quando começamos?

— Que tal agora?

— Já está tarde. Amanhã no mesmo horário?

— Com certeza.

Ela se foi e por um momento achei que, através da tragédia dos irmãos, eu pudesse encontrar a felicidade ao lado de Marina. Houve alguma coisa entre nós. Num breve lampejo senti sua alma ligada à minha. Suspirei e voltei ao trabalho de juntar as peças cronologicamente, através dos relatos de Tia Eneida.

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