Capítulo 7

É claro que Augusto brincava no monjolinho escondido da mãe. Se ela o pegasse agarrado àquelas pás, ficaria de castigo por dias sem sair do quarto. Aprendera a brincadeira na roda com José, filho do caseiro de confiança da família. Os dois se divertiam à beça correndo atrás dos patos e galinhas, armando arapuca pra pegar passarinho e pisando nos grãos de café que secavam no terreiro, acima do prédio onde fora colocada o moinho de café.

Havia uma casa na cidade onde ele era obrigado a ficar durante o período escolar, no “Grupo Escolar Coronel Paulino Carlos”. Mas era na fazenda que ele se sentia livre e feliz. Se pudesse não deixaria aquele lugar por nada do mundo. Houve um certo desconforto quando soube que a mãe lhe daria um irmão. Afinal ele já estava com sete anos, bastante acostumado a ser filho único e receber toda atenção dos pais. Por outro lado, a mãe já não vinha mais tanto à fazenda e isso lhe dava a oportunidade de ser livre e solto com José, o Zezinho para os mais chegados, fazendo traquinagens, se sujando no barro, construindo muralhas com pedaços de madeira no leito do rio, que muitas vezes obstruía a passagem da água, impedindo a roda de girar e a máquina de moer o café. Fora numa dessas traquinagens que seu João, pai do Zezinho, puxou a orelha dos dois, tentando disfarçar o sorriso, enquanto botava o pé na barreira, libertando a água. Não sem antes passar um sermão daqueles, dizendo que contaria tudo ao patrão. Ele amava aquela terra. Amava a casa de dois andares, construída por seu pai em 1887, dez anos antes de seu nascimento. Amava subir a escada de madeira e se postar na janela à direita da sacada da grande sala, para observar a vista verde que se perdia na imensidão em frente à casa. À noite, sentava nas cadeiras de vime da varanda maravilhando-se com a dança dos vagalumes.

A casa fora construída nos mesmo moldes das casas europeias, inclusive com materiais vindos exclusivamente de lá. Seu pai era dono de uma vasta coleção de livros que adorava ler nos finais de semana, em seus momentos de descanso. O Inferno de Dante causava horror a Augusto, contudo, quando perguntava ao pai se seria castigado por todos aqueles pecados, alguns dos quais nem sabia o significado, o velho sorria e lhe afagava a cabeça dizendo que quando fosse mais velho entenderia Dante. Gostava de ver os livros através dos vidros das estantes. Raras vezes recebia autorização para folheá-los. Divertia-se pulando as janelas baixas do andar térreo, apenas para ganhar o jardim, onde uma fonte jorrava aos pés de um querubim. Corria chamando o Zezinho, assustando os colonos que viviam na senzala, que seu pai transformara em moradia. Ao redor da casa, cercada por um muro baixo, reinavam os coqueiros e árvores frutíferas que ele tanto adorava. Correr pelo cafezal, quando seu pai se encontrava ocupado com os colonos, tirando a molecada da lida para formar um time de futebol, era sua paixão. O pai fingia não ver. Fazia vista grossa para o desacato, e se divertia ao ver o pequeno correndo atrás da bola e marcando gols contra o time adversário. Era uma alegria ver a molecada enchendo a fazenda de risos, enquanto seus pais plantavam hortaliças nos entremeios dos pés de café, esperando os grãos amadurecerem para a colheita e secagem.

Enquanto a mãe seguia na gravidez tardia, ele vivia enfurnado no meio da italianada, aprendendo a língua arrastada, comendo macarronada, dançando ao som dos violões e pandeiros, que enchiam as noites de verão regadas a vinho. Aquilo era vida. Correr solto, nadar, soltar pipa nas tardes de vento do mês de agosto, sentir o cheiro da terra molhada nos dias de garoa e acordar com o cheiro do café que Dona Isabel, mãe de Zezinho, punha na mesa antes de o sol raiar.

Essa era a vida que ele conhecia desde a tenra idade. E as lembranças, naquele momento de dor, lhe corroíam a alma. Ver o pranto nos olhos da mãe e saber exatamente o que ela estava sentindo, fazia-o voltar a desejar ser pequeno. Ter o amigo de volta. Se ao menos a família não tivesse partido para outras terras, ainda teria um pedaço da infância e alguém para conversar nesse momento difícil. Nunca mais teria a mão forte do pai a lhe indicar o caminho. Augusto fez-se espelho do pai e lhe prometera nunca, jamais, deixar a fazenda cair nas mãos de estranhos. O velho fê-lo jurar que nunca a venderia, sob nenhum pretexto. Quem sabe o que o pai estava antevendo! Ele, à sua maneira, sempre fora um visionário. Fato esse era os bens que possuíam. Contudo, naquele instante pesaroso, nada disso importava. Daria tudo para mudar o destino do pai. Se ao menos desconfiasse que o velho não estava bem...

Sorri para Marina, ao ver que seus olhos brilhavam ao acompanhar cada palavra proferida. Continuei a leitura, ao vê-la se acomodar melhor no sofá. Podia sentir o cheiro do seu perfume. Estávamos próximos. Muito próximos.

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