Laura Martins:
— Já vai! — Tento gritar, mas a minha voz estar tão fraca que duvido muito ter saído mais do que um sussurro.
Hoje estar sendo mais um dos dias difíceis, é o segundo dia em que falto no trabalho, anteontem eu desmaie no banheiro e bati a cabeça na privada, no hospital foi me dito que uma senhora havia me levado, mas que ela não deu o nome, apenas disse que em outro momento me encontraria, eu achei estranho, e mais estranho ainda por eu estar num hospital particular, um dos mais caros aqui de Salvador, o Vivaz. E, para falar a verdade, eu estou com medo de encontrar essa mulher que me salvou, ela provavelmente quer o dinheiro dela de volta, mas eu não tenho nem um centavo.
— Que dor! — Reclamo, sentindo meu crânio latejar e passo a mão em meus cabelos.
O meu estômago ronca, mas mais uma vez o ignoro, lentamente caminho até a porta de entrada da minha casa.
— Bom-dia, senhorita Martins — uma mulher bem vestida cumprimenta-me, fico parada alguns segundos tentando lembrar-me de onde eu a conheço. Ela não me é estranha, mas eu não consigo lembrar-me dela.
— Bom-dia! — A cumprimento de volta. — O que deseja?
— Quero tratar de um assunto delicado com a senhorita, posso entrar?
Estreito meu olhar em sua direção, desconfiada para ela, que tipo de assunto ela teria para tratar com alguém como eu?
— Não é uma boa ideia permitir que uma estranha entre na minha casa — digo, começo a fechar a porta, mas a moça coloca o pé atrapalhando-me.
— Não sou uma estranha, somos... colegas de trabalho, é isso! — Ela diz rápido. — Trabalhamos para a mesma família, e não posso sair daqui sem uma resposta sua. Temos que conversar, por favor.
— Você não vai tirar o pé da minha porta, né? — Questiono, já me sentindo cansada dessa conversa.
— Não, mas prometo que não irei demorar.
— Certo, entre — dou passagem para ela entrar.
Não me preocupo em falar para ela não se incomodar com a bagunça, a única coisa que tenho na sala é um sofá de três lugares que a vizinha me doou.
A moça senta-se no assento direito do sofá e eu no esquerdo.
— Bem, anteontem eu encontrei-a desmaiada no banheiro da empresa... — ela começa a falar.
— Então você veio cobrar-me o dinheiro que gastou no hospital comigo, não é? Olha, eu não tenho como te pagar agora, mas se você me der um pouco de tempo...
— Não! — Ela interrompe-me, franzo o cenho confusa. — Foi a minha chefe quem pagou o hospital para você — esclarece. — E ela quer te propor um acordo.
— Que tipo de acordo?
— A minha chefe irá pagar todos os seus tratamentos, cirurgia e medicação para a cura do seu câncer, e ainda te dará uma mesada de mil reais por mês.
— Em troca do que ela faria isso por mim? — Pergunto, já não gostando, ninguém faz nada de graça por ninguém, não acredito em fadas madrinhas.
— Ela quer te alugar.
— Quê!? — Exclamo em choque. — Me alugar para quê? — Indago confusa.
— Para namorar e amar o filho dela — ela fala com um sorriso enorme no rosto, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.
— Não vou me prostituir! — Exclamo extremamente ofendida com esse acordo proposto. — Sei que não tenho muito dinheiro, mas sei muito bem que tenho o meu valor!
— Não estamos pedindo para você transar com ele, mas para que o tire do escuro — pontua. — O filho da minha chefe carrega muitos traumas e por muitos anos ele ficou trancado em casa, sem demonstrar nenhuma emoção, mas você conseguiu despertar emoções nele e ela acha que você pode salvar o filho dela.
— Eu despertei sentimentos nele? Eu nem sei de quem vocês estão falando!
— Entenda, você salva o filho dela e ela salva você, simples assim. E se por um motivo você acabar se apaixonando por ele, não tem problema, com tanto que esse acordo nunca saia do sigilo.
— Eu nem aceitei o acordo e vocês já estão pensaram na possibilidade de me apaixonar por um completo estranho? O que vocês têm na...
— A minha chefe quer ver o seu filho voltar a sorrir — me interrompe. — E curiosamente, ele quando está com você, esboça que ainda tem sentimentos. Ela assim como você, está desesperada. Há anos o filho dela se trancou dentro de si e vivi afastando todos. Por longos dois anos ele sequer saiu de casa, e quando finalmente saiu, destilou frieza e grosseira para todos. Os olhos dele perderam a cor e ela sente que a cada dia estar pendendo mais e mais do seu querido filho, ela teme que ele acabe tirando a própria vida..., mas você ascendeu uma esperança.
O desespero na fala dela toca-me, não posso dizer que sei o que a mãe dele está sentindo, nunca fui mãe e a minha sempre me quis longe, mas é triste viver sem esperança, nos últimos quatros meses vi-me no buraco. Apesar de estar trabalhando, o meu salário não é suficiente para bancar o: aluguel, contas de água e luz, gás, comida e um tratamento particular. Os únicos moveis que comprei foram: uma cama, um guarda-roupa, uma geladeira e um fogão. Tudo do mais barato, parcelado em dez vezes.
— Não vou me apaixonar por ele — falo, convicta.
— Se você diz — ela entoa com um sorrisinho no rosto, como se não acreditasse no que eu disse. — Amanhã será o primeiro encontro de vocês!
— Amanhã!? — Engasgo com a saliva. — Cof-cof!
— Sim! — A mulher diz alegremente.
— Uma dúvida — ergo minha mão com o indicador levantado. — Quando poderei parar de fingir que amo e namoro esse cara?
— O contrato tem validade de dois anos. Se parar antes, terá que pagar multa e devolver todo o dinheiro gasto com o seu tratamento e as mesadas.
— Dois anos é muito tempo...
— Você irá passar, talvez, até mais da metade desses anos com o tratamento.
— Entendo — dou-me por vencida.
Eu estou no estágio 2 da doença, as filas enormes para conseguir o tratamento pelo SUS não está dando certo, não tenho tempo de ficar nas filas, além de ter muitas pessoas na minha frente, eu também preciso trabalhar. Desde que descobrir o câncer de mama, tenho procurando atendimento nos hospitais públicos, mas estar sozinha para tudo é difícil, preciso do tratamento, mas também preciso comer.
— Onde será o encontro? — Pergunto, já aceitando o meu destino e agarrando-me a minha única chance de conseguir sair com vida dessa doença.
Eu não quero morrer, e se para continuar viva a solução seja fingir namorar e amar um cara por dois anos, farei.
— Vou buscar as roupas e o contrato no carro! — A mulher fala animada e se levanta.
>No dia seguinte:
Respiro fundo mais uma vez, estou na frente de um dos restaurantes mais caros aqui da cidade. Sinto o meu estômago revirar, os meus dedos estão gelados, eu nunca fui num encontro as cegas. É até estranho, tipo, eu já assisti doramas coreanos e isso lá é normal, mas aqui no Brasil? Nunca ouvir falar.
A mulher –que descobrir se chamar Ana–, não quis me dizer o nome e nem mostrar a foto de quem é o rapaz, tudo o que eu tenho é um pedaço de papel com o sobrenome dele: “senhor Duarte”, e a instrução de falar com a recepção.
Reúno toda a minha coragem e caminho para dentro do restaurante, meus passos ecoam no luxuoso hall de entrada, enquanto tento disfarça a ansiedade, vou até à recepção e pergunto pela reserva no nome do meu cliente, acho melhor tratá-lo assim, não quero apegar-me a ele.
— Por aqui, senhorita — a moça de terninho sai do balcão e guia-me até uma mesa, que está localizada a direita perto de uma grande janela.
À medida que nos aproximamos sinto o meu coração bater cada vez mais rápido, a minha respiração fica mais curta e rápida, sinto gotículas de suor escorrer por minha nuca. O homem está com a cabeça virada para a janela, então ainda não me notou.
— Senhor Duarte? — A mulher o chamar, ele vira o rosto e ao pousar os seus olhos azuis gélidos em mim, sinto um calafrio percorrer a minha espinha tensionando todos os meus músculos.
Essa não, essa não! Que merda! O meu cliente tinha que ser logo ele, o ogro! Que droga! Eu não sei o nome dele, desde que o primeiro momento que nos vimos eu chamo-o assim.
— O que está fazendo aqui? — Ele questiona com a cara de poucos amigos.
— O ogro continua de mau humor — falo e reviro os olhos, merda! Escapuliu.
— Sua fedelha...
Não espero ele continuar os xingamentos, viro-me de costas e começo a sair do restaurante, mas antes que eu dê mais um passo, a mão grande desse ogro segura o meu antebraço me fazendo parar.
— Você é a senhorita Martins? — Ele indaga, puxo o meu braço para fora do seu aperto.
— Para quer que saber, seu troglodita?
— Como conseguiu marcar um encontro comigo?
— Eu não sabia que era você, jamais iria querer um encontro às cegas com um ogro feio como você.
— Não pensei que passaria de mendiga para rameira em tão pouco tempo...
O calo com um tapa estalado na cara, foi tão forte que a palma da minha mão arde, fecho-a em punho para conter um pouco do ardor.
— Não vou aceitar nem mais um insulto seu, lave a sua boca antes de falar comigo.
Sinto o olhar de todos sobre mim, mas estou com tanta raiva que não me importo, sei que fui alugada para “amar” esse cara, mas não vou permitir que ele me desrespeite assim.
Mais uma vez viro-me de costas e caminho em direção a saída, mas, antes que eu passo alcançá-la, uma tontura me atingi e as minhas vistas escurecem, todo o meu corpo fica leve e não consigo sentir o chão embaixo de mim. Não sei porque, mas as lembranças de como conheci o ogro atrás de mim, me vêm a mente.
Sete meses atrás:Laura Martins:— Isso! — Digo num sussurro entusiasmada, fecho a mão em punho e ergo como uma pequena comemoração de vitória ao sair da sala do RH da empresa: Jewelry. Esse nome não é nem um pouco criativo, se traduzir vai ficar: joias, mas quem sou para julgar.Agora que a minha carteira foi assinada, eu finalmente posso procurar uma casa para alugar e viver a minha vida à minha maneira. Apesar de eu já estar com vinte e quatro anos, só fazem três dias que sai/expulsa da casa dos meus pais, de lá só levei essa camisa de mangas curtas que visto com essa calça surrada e essa sapatilha que está com os calcanhares furados, e uma roupa de dormir. Apenas isso.Durante o dia eu fico a perambular pela cidade a procura de emprego, durante a noite caço abrigos que ainda tenham uma vaga para eu dormir. Não tem sido fácil, a última vez que comi foi a dois dias, peguei o resto de um lanche na lixeira dum restaurante. Bem, um dia após sair da casa dos
Tempo atual: Fernando Duarte: No meu relógio marca 19 horas e 30 minutos, e a minha paciência diminui a cada segundo. Se essa mulher se atrasar um minuto sequer, estou fora. Eu nem queria está aqui para começo de conversar, só estou aqui porque a minha mãe ameaçou colocar fogo em sua própria casa. Impaciente, dedilho a mesa, viro o rosto para a janela e começo a observar os carros passando apressados pela frente do restaurante escolhido por minha mãe. Só mais trinta segundos... — Senhor Duarte? — Ouça a voz da recepcionista, se ela está aqui só pode significar uma coisa. Merda! Respiro fundo e controlo a raiva, só faltavam trinta segundos para que eu pudesse estar livre e usar a desculpa de que a tal mulher não apareceu me deixando no vácuo. Desvio minha atenção dos carros e olho para a moça que me chama. De baixo pra cima, observo a mulher que está ao lado da recepcionista. Dentro de um vestido tubinho de cor preta, os meus olhos percorrem o seu corpo, observando as curvas su
Fernando Duarte:Após deixar o restaurante, dirijo com pressa tendo o caminho iluminado pelas luzes amarelas dos portes. Seguro tão firme o volante do carro, sentindo o metal gelado contra a palma da minha mão, que sinto as falanges dos meus dedos doerem e as veias do dorso das minhas mãos saltarem. De onde a minha mãe conheceu Laura? E por que diabos a minha mãe achou que seria uma boa ideia arranjar um encontro com essa pirralha irritante?A frustração e a raiva se acumulam dentro de mim. Com raiva, desfiro um golpe no volante. — Porra! Por que tinha que ser logo ela? Ela era a última pessoa que eu queria encontrar. — Sussurro para mim mesmo.Os faróis dos carros se misturam em um borrão de luzes, espelhando meu estado de espírito tumultuado. Minha respiração está tensa, e os pensamentos sobre Laura, sobre o meu passado, giram furiosamente na minha mente.Ao estacionar em frente à casa da minha mãe, respiro fundo, saio do carro e aperto a campainha. Ana, o braço direto da minha mãe
Laura Martins:Pago a minha passagem e me sento no banco mais alto, o ônibus começa a se locomover, repouso a minha cabeça na janela, fitos as luzes urbanas se desdobrarem à medida que o ônibus segue para a estação. A minha mente começa a vagar de volta para o restaurante, os olhos do senhor Duarte, antes gélidos e sem vida, estavam cheiros de terror e desespero, nem pareciam pertencer a mesma pessoa. O que será que aconteceu para que ele ficasse nesse estado?Para!Já tenho problemas demais para ainda ficar tomando conta de problemas alheios.Resolvo buscar refúgio nos meus fones de ouvido, na playlist seleciono à música: Dias Melhores | Jota Quest; deixo-me levar pela melodia enquanto meu olhar se perde nas ruas movimentadas. “🎶Vivemos esperando dias melhores. Dias de paz, dias a mais, dias que não deixaremos para trás. Oh oh, vivemos esperando o dia que seremos melhores, melhores no amor, melhores na dor, melhores em tudo... 🎶”Baixinho cantarolo a letra,
Laura Martins:“Tum-tum. Tum-tum.”O que é isso?“Tum-tum. Tum-tum.”De onde vem esse som? “Tum-tum. Tum-tum.”Esse som... ele vem... de mim?Sim!É o som do meu coração. E cada batida ressoa como uma trilha sonora particular, enquanto não consigo desviar os olhos dos dele, a frieza em seu olhar é como se fosse um muro, mas a sensação que tenho é que se trata de um muro de lamento e que implora para ser derrubado. A intensidade desses olhos gélidos me perfura, mas ao mesmo tempo, faz o meu coração acelerar ainda mais, deixando o som das minhas batidas ainda mais altas em meus ouvidos.Engulo em seco, involuntariamente, meu olhar desce para seus lábios. “Ele sempre teve uma boca tão bonita assim?” —Me questiono internamente, mordo o meu lábio inferior. Será que são macios? Quentes? A língua... será que... de repente e bruscamente, como se tivesse uma doença altamente contagiosa, ele me solta e se afasta. Cambaleio um pouco antes de retorna ao equilíbrio. Uma pontada de vergonha toma
Ainda, sete meses atrás:Laura Martins:— É feio encarar as pessoas comendo — falo incomodada, observando-o de soslaio. Não sei bem se ele realmente está me encarado, os olhos dele parecem vagos, mas o simples fato de estarem na minha direção já me perturba.— Não estava te encarando — ele diz e se ajeita na cadeira. — Coma logo, quero ir embora — resmunga, cruzando os braços e fixando os olhos nos meus.— A porta da rua é serventia da casa — debocho, levando outra garfada de macarrão à boca, nossa! Que sabor divino, o macarrão está tão delicioso, poderia repetir o prato várias vezes, mas, como não sou eu quem estar pagando, me contento apenas com essa porção.— Está me colocando para fora, de um restaurante que nem seu é? — O ogro pergunta, uma sobrancelha arqueada em incredulidade.— Você quer sair, eu apenas disse para que serve a porta, uai — retruco, não sei o porquê, mas algo me leva a ser groseira com ele... eu acho divertidas as reações dele. — Você já
Ainda sete meses atrás: Laura Martins: Observo os fleches de luz pelo vidro fumê da janela, um silêncio expeço paira dentro do carro, que ao parar no sinal vermelho, não consigo controlar a vontade de expiar o homem estranho – que eu denominei ogro – ao meu lado, o ogro realmente é muito bonito, os seus cabelos pretos desalinhados o deixam ainda mais charmoso, mesmo com o mar gélido nos seus olhos, ele ainda consegue ser o homem mais bonito que eu já vi, mas nunca irei admitir isso para ele. Nunca! Quem diria, se eu o visse cinco dias atrás, nem prestaria atenção nele, pois os meus olhos ainda estavam enfeitiçados pelo meu ex-namorado. — Se continuar me olhando assim, praticamente me devorando com os olhos, vou começar a achar que está interessada — a sua voz me tira dos devaneios, percebo, tarde demais, que estava encarando-o com a boca meio aberta. Pressiono os lábios um contra o outro numa linha reta e volto para parecer indiferente, mas sinto o meu rosto queimar de vergonha.
Tempo atual:Laura Martins:— Ei! Vai ficar me fazendo de cachorro? — Sua voz interrompe meus desvaneios, acompanhada de cutucões na minha bochecha.Fico momentaneamente atordoada, tento processar as suas palavras, mas eu não consegui entender.— O que... o que você disse? — Questiono, a minha confusão transparece na minha voz. Eu me pedir completamente com as lembranças do primeiro dia em que o vi.Ele me lança um olhar impaciente.— Para onde devo te levar? — Ele repete, com uma leve irritação na voz, me vejo obrigada a me recompor.— Ah, sim — respondo, tentando parecer mais segura do que realmente estou. — Bairro Valéria.— Valéria? Sério? — Seus olhos desviam da estrada para mim por um breve momento, suas sobrancelhas se arqueiam em descrença, mas logo retornam para a rua. — Por que você foi morar logo no bairro mais perigoso de Salvador?— Depois que se acostuma, nem é tão ruim — tento dar uma responder de forma despreocupada.Para a minha sorte, ele nã