Capítulo 6: Você de novo?

Laura Martins:

“Tum-tum. Tum-tum.”

O que é isso?

“Tum-tum. Tum-tum.”

De onde vem esse som? 

“Tum-tum. Tum-tum.”

Esse som... ele vem... de mim?

Sim!

É o som do meu coração. E cada batida ressoa como uma trilha sonora particular, enquanto não consigo desviar os olhos dos dele, a frieza em seu olhar é como se fosse um muro, mas a sensação que tenho é que se trata de um muro de lamento e que implora para ser derrubado. A intensidade desses olhos gélidos me perfura, mas ao mesmo tempo, faz o meu coração acelerar ainda mais, deixando o som das minhas batidas ainda mais altas em meus ouvidos.

Engulo em seco, involuntariamente, meu olhar desce para seus lábios. 

“Ele sempre teve uma boca tão bonita assim?” —Me questiono internamente, mordo o meu lábio inferior. Será que são macios? Quentes? A língua... será que... de repente e bruscamente, como se tivesse uma doença altamente contagiosa, ele me solta e se afasta. Cambaleio um pouco antes de retorna ao equilíbrio. Uma pontada de vergonha toma conta de mim, me atingindo como um soco no estômago, a minha mente martela com a possibilidade de que ele percebeu que, por um breve momento, eu talvez quisesse beijá-lo. Rezo em silencio para que ele não tenha notado as minhas intenções nesse pequeno instante que encarei a boca dele. 

O som de um pigarro seco escapa da minha garganta enquanto tento esconder o meu constrangimento.

— Você realmente não sabe como aceitar ajuda, não é? — ele fala, quebrando o silêncio e coloca as mãos nos bolsos da calça.

— Obrigada, mas apesar de parecer, eu não preciso da sua caridade, ogro, quero dizer, senhor Duarte. Eu posso me virar sozinha. — Retroco, mantendo minha postura orgulhosa.

— A três meses parecia. — Ele provoca, mas antes que eu consiga responde-lo, ele continua: — Venha, já está tarde.

Em silêncio o sigo, adentramos o carro, o interior ecoando com a tensão não dita, olhando para ele com a minha visão periférica, parece que ele também está desconfortável. Ao colocar o sinto, ele da partida. 

Suspiro, preciso falar alguma coisa... paro de pensar ao ver as mãos dele tremulas, hesito, mas pergunto:

— Você está bem? — questiono, tentando soar casual, embora eu esteja preocupada.

— Estou. — Ele responde simplório, sem desviar o olhar da estrada e aperta mais o volante, como se estivesse segurando não apenas aquelas peças de metal.

— Se não se sente bem para dirigir, deveria contratar um motorista, não sei com o que você trabalha, mas para ter feito tudo o que fez por mim, deve receber bem, então cuide de você e...

— Não pedi a sua opinião. — Ele me interrompe grosseiro. Agr! É impossível ter uma conversa com esse ogro, ele tem o dom de me irritar. E é nessas horas que eu me arrependo de ter me arrependido da forma que agi com ele antes, por ele ter me dado teto por 3 meses.

Bufo e cruzo os braços irritada, viro o meu rosto para a janela, lembranças do dia em que o ele me deu a chance de mudar de vida me vem como ondas na mente:

                           Sete meses atrás:

— Sinto muito, mas não posso firmar um contrato com uma sem... hum-hum — a mulher pigarreia e desvia o olhar. — Com uma pessoa na sua situação — ao terminar de falar, a senhora abre a porta e eu saio da sua casa.

Sinto o meu coração falhar uma batida, esse é o décimo não que recebo. Bem, eu pensei que ao mostrar a minha carteira assinada iriam dar-me uma oportunidade, mas ao menos essa mulher de agora não me acusou de falsificar a assinatura na minha carteira.

Fiquei tão feliz, por finalmente conseguir um emprego de carteira assinada, ao ponto de pensar que essa noite não precisaria enfrentar uma fila num abrigo para dormir. Amanhã será o meu primeiro dia no trabalho e mesmo sendo um emprego de faxineira, eu estou ansiosa, o cheirinho da minha independência é tão bom.

As lágrimas insistem em querer sair, eu não tenho nem um mísero centavo, a minha barriga ronca de fome, daqui até o abrigo mais próximo, é um caminho muito longo, e provavelmente na hora em que eu chegar, a moça que distribuí sopa já tenha ido embora. Eu queria poder pegar um ônibus, mas preciso dar graças a Deus por ter pernas e conseguir andar com elas, muitos estão infelizmente presos numa cadeira de rodas.

Como vou sobreviver até chegar o dia de receber o meu primeiro salário? Pensar nisso me deixa angustiada.

Respiro fundo e as minhas narinas são preenchidas por um cheiro delicioso vindo de um restaurante, o cheiro de macarrão com molho rose faz a minha boca salivar e o meu estômago revirar, mesmo estando alguns metros de distância. Apresso os meus passos e o aroma vai ficando mais forte, chego em frente à vitrine e observo todas as pessoas comendo, vestidas em roupas boas e quentes, elas conversam e sorriem de forma despreocupada, como se o que acontece no mundo não as afetasse... Enquanto eu estou aqui, do lado de fora sem um casaco para me proteger do frio, com a barriga roncando sem dinheiro para comprar uma bala.

Apoio a minha testa no vidro e sorrio ao imaginar que mês que vem, assim como essas pessoas, eu também poderei estar sentada comendo uma refeição boa, sem me preocupar. Irei poder escolher roupas boas, terei um celular bom e...

— A não, você de novo? Só me faltava essa — tenho o meu raciocínio interrompido ao ouvir uma voz familiar resmungar ao meu lado.

Viro o meu rosto e miro os seus olhos azuis, franzo as sobrancelhas com o esforço para me lembrar de onde eu já vi aquelas safiras gélidas.

— Quer tirar uma foto? Posso autografar pra você continuar admirando depois — a sua fala arrogante faz-me revirar os olhos.

Ah, como um raio, a memória me atinge. Esses olhos são dele, o ogro.

— Se eu te olhar mais um pouco — olho-o de cima a baixo com desdém. — É bem capaz de eu pegar a sua feiura, seu ogro feio.

— Sua...

Antes que ele solte algum xingamento, minha barriga decide participar da conversa, roncando tão alto que poderia rivalizar com um trovão, fazendo-o se calar. Sinto meu rosto pegando fogo de vergonha. Desvio o olhar e cruzo os braços, começo a andar para longe desse homem.

Céus! Não preciso do olhar de pena desse ogro.

Mas então, meus passos são abruptamente interrompidos, sinto uma mão grande me segura pelo antebraço fazendo-me parar de andar, Arrepio com o seu toque, prendo a respiração.

Merda!

— Solte-me! — Mando, na tentativa de parecer durona enquanto puxo o meu braço para longe do seu toque.

— Desculpe — surpreendo-me com o seu pedido, mas ele não olha para mim, observo a suas mãos fechadas em punhos como se estivesse a controlar a raiva. — Quer jantar?

Estreito os olhos na sua direção e ele encara-me.

— O ogro está me convidando para um jantar? — O provoco, não consigo evitar o sorriso à medida que o rosto dele vai ficando mais vermelho. — Uau, é para se redimir pela falta de educação mais cedo?

— Ah, esquece! — Ele fala e me dá as costas.

Antes que ele desça da calçada, seguro a parte de trás do seu terno, ele para e me fita.

— O que você quer, pirralha? — Indaga puxando a roupa da minha mão.

A minha barriga resolve responder por mim e coa alto, abaixo a minha cabeça e engulo seco, estou a dias sem comer, a moça da sopa só aparece duas ou três na semana e pelo horário, mesmo que ela tenha aparecido, ela já foi embora.

Um vento frio sopra fazendo-me abraçar o meu próprio corpo, não importa o quanto eu aperte os meus braços, continuo a sentir frio.

— Quê? — Sussurro e pisco várias vezes, ergo a minha cabeça ao sentir o contato macio do seu terno sobre os meus ombros, olho-o com uma certa admiração, mas ele está com o rosto virado para o outro lado.

— O que você quer? — Ele repete a pergunta, agora fitando os meus olhos, por alguns instantes me perco no seu mar gélido.

— Eu... aceito o convite para jantar. — Falo baixinho engolindo todo o meu orgulho.

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