Laura Martins:
“Tum-tum. Tum-tum.”
O que é isso?
“Tum-tum. Tum-tum.”
De onde vem esse som?
“Tum-tum. Tum-tum.”
Esse som... ele vem... de mim?
Sim!
É o som do meu coração. E cada batida ressoa como uma trilha sonora particular, enquanto não consigo desviar os olhos dos dele, a frieza em seu olhar é como se fosse um muro, mas a sensação que tenho é que se trata de um muro de lamento e que implora para ser derrubado. A intensidade desses olhos gélidos me perfura, mas ao mesmo tempo, faz o meu coração acelerar ainda mais, deixando o som das minhas batidas ainda mais altas em meus ouvidos.
Engulo em seco, involuntariamente, meu olhar desce para seus lábios.
“Ele sempre teve uma boca tão bonita assim?” —Me questiono internamente, mordo o meu lábio inferior. Será que são macios? Quentes? A língua... será que... de repente e bruscamente, como se tivesse uma doença altamente contagiosa, ele me solta e se afasta. Cambaleio um pouco antes de retorna ao equilíbrio. Uma pontada de vergonha toma conta de mim, me atingindo como um soco no estômago, a minha mente martela com a possibilidade de que ele percebeu que, por um breve momento, eu talvez quisesse beijá-lo. Rezo em silencio para que ele não tenha notado as minhas intenções nesse pequeno instante que encarei a boca dele.
O som de um pigarro seco escapa da minha garganta enquanto tento esconder o meu constrangimento.
— Você realmente não sabe como aceitar ajuda, não é? — ele fala, quebrando o silêncio e coloca as mãos nos bolsos da calça.
— Obrigada, mas apesar de parecer, eu não preciso da sua caridade, ogro, quero dizer, senhor Duarte. Eu posso me virar sozinha. — Retroco, mantendo minha postura orgulhosa.
— A três meses parecia. — Ele provoca, mas antes que eu consiga responde-lo, ele continua: — Venha, já está tarde.
Em silêncio o sigo, adentramos o carro, o interior ecoando com a tensão não dita, olhando para ele com a minha visão periférica, parece que ele também está desconfortável. Ao colocar o sinto, ele da partida.
Suspiro, preciso falar alguma coisa... paro de pensar ao ver as mãos dele tremulas, hesito, mas pergunto:
— Você está bem? — questiono, tentando soar casual, embora eu esteja preocupada.
— Estou. — Ele responde simplório, sem desviar o olhar da estrada e aperta mais o volante, como se estivesse segurando não apenas aquelas peças de metal.
— Se não se sente bem para dirigir, deveria contratar um motorista, não sei com o que você trabalha, mas para ter feito tudo o que fez por mim, deve receber bem, então cuide de você e...
— Não pedi a sua opinião. — Ele me interrompe grosseiro. Agr! É impossível ter uma conversa com esse ogro, ele tem o dom de me irritar. E é nessas horas que eu me arrependo de ter me arrependido da forma que agi com ele antes, por ele ter me dado teto por 3 meses.
Bufo e cruzo os braços irritada, viro o meu rosto para a janela, lembranças do dia em que o ele me deu a chance de mudar de vida me vem como ondas na mente:
Sete meses atrás:
— Sinto muito, mas não posso firmar um contrato com uma sem... hum-hum — a mulher pigarreia e desvia o olhar. — Com uma pessoa na sua situação — ao terminar de falar, a senhora abre a porta e eu saio da sua casa.
Sinto o meu coração falhar uma batida, esse é o décimo não que recebo. Bem, eu pensei que ao mostrar a minha carteira assinada iriam dar-me uma oportunidade, mas ao menos essa mulher de agora não me acusou de falsificar a assinatura na minha carteira.
Fiquei tão feliz, por finalmente conseguir um emprego de carteira assinada, ao ponto de pensar que essa noite não precisaria enfrentar uma fila num abrigo para dormir. Amanhã será o meu primeiro dia no trabalho e mesmo sendo um emprego de faxineira, eu estou ansiosa, o cheirinho da minha independência é tão bom.
As lágrimas insistem em querer sair, eu não tenho nem um mísero centavo, a minha barriga ronca de fome, daqui até o abrigo mais próximo, é um caminho muito longo, e provavelmente na hora em que eu chegar, a moça que distribuí sopa já tenha ido embora. Eu queria poder pegar um ônibus, mas preciso dar graças a Deus por ter pernas e conseguir andar com elas, muitos estão infelizmente presos numa cadeira de rodas.
Como vou sobreviver até chegar o dia de receber o meu primeiro salário? Pensar nisso me deixa angustiada.
Respiro fundo e as minhas narinas são preenchidas por um cheiro delicioso vindo de um restaurante, o cheiro de macarrão com molho rose faz a minha boca salivar e o meu estômago revirar, mesmo estando alguns metros de distância. Apresso os meus passos e o aroma vai ficando mais forte, chego em frente à vitrine e observo todas as pessoas comendo, vestidas em roupas boas e quentes, elas conversam e sorriem de forma despreocupada, como se o que acontece no mundo não as afetasse... Enquanto eu estou aqui, do lado de fora sem um casaco para me proteger do frio, com a barriga roncando sem dinheiro para comprar uma bala.
Apoio a minha testa no vidro e sorrio ao imaginar que mês que vem, assim como essas pessoas, eu também poderei estar sentada comendo uma refeição boa, sem me preocupar. Irei poder escolher roupas boas, terei um celular bom e...
— A não, você de novo? Só me faltava essa — tenho o meu raciocínio interrompido ao ouvir uma voz familiar resmungar ao meu lado.
Viro o meu rosto e miro os seus olhos azuis, franzo as sobrancelhas com o esforço para me lembrar de onde eu já vi aquelas safiras gélidas.
— Quer tirar uma foto? Posso autografar pra você continuar admirando depois — a sua fala arrogante faz-me revirar os olhos.
Ah, como um raio, a memória me atinge. Esses olhos são dele, o ogro.
— Se eu te olhar mais um pouco — olho-o de cima a baixo com desdém. — É bem capaz de eu pegar a sua feiura, seu ogro feio.
— Sua...
Antes que ele solte algum xingamento, minha barriga decide participar da conversa, roncando tão alto que poderia rivalizar com um trovão, fazendo-o se calar. Sinto meu rosto pegando fogo de vergonha. Desvio o olhar e cruzo os braços, começo a andar para longe desse homem.
Céus! Não preciso do olhar de pena desse ogro.
Mas então, meus passos são abruptamente interrompidos, sinto uma mão grande me segura pelo antebraço fazendo-me parar de andar, Arrepio com o seu toque, prendo a respiração.
Merda!
— Solte-me! — Mando, na tentativa de parecer durona enquanto puxo o meu braço para longe do seu toque.
— Desculpe — surpreendo-me com o seu pedido, mas ele não olha para mim, observo a suas mãos fechadas em punhos como se estivesse a controlar a raiva. — Quer jantar?
Estreito os olhos na sua direção e ele encara-me.
— O ogro está me convidando para um jantar? — O provoco, não consigo evitar o sorriso à medida que o rosto dele vai ficando mais vermelho. — Uau, é para se redimir pela falta de educação mais cedo?
— Ah, esquece! — Ele fala e me dá as costas.
Antes que ele desça da calçada, seguro a parte de trás do seu terno, ele para e me fita.
— O que você quer, pirralha? — Indaga puxando a roupa da minha mão.
A minha barriga resolve responder por mim e coa alto, abaixo a minha cabeça e engulo seco, estou a dias sem comer, a moça da sopa só aparece duas ou três na semana e pelo horário, mesmo que ela tenha aparecido, ela já foi embora.
Um vento frio sopra fazendo-me abraçar o meu próprio corpo, não importa o quanto eu aperte os meus braços, continuo a sentir frio.
— Quê? — Sussurro e pisco várias vezes, ergo a minha cabeça ao sentir o contato macio do seu terno sobre os meus ombros, olho-o com uma certa admiração, mas ele está com o rosto virado para o outro lado.
— O que você quer? — Ele repete a pergunta, agora fitando os meus olhos, por alguns instantes me perco no seu mar gélido.
— Eu... aceito o convite para jantar. — Falo baixinho engolindo todo o meu orgulho.
Ainda, sete meses atrás:Laura Martins:— É feio encarar as pessoas comendo — falo incomodada, observando-o de soslaio. Não sei bem se ele realmente está me encarado, os olhos dele parecem vagos, mas o simples fato de estarem na minha direção já me perturba.— Não estava te encarando — ele diz e se ajeita na cadeira. — Coma logo, quero ir embora — resmunga, cruzando os braços e fixando os olhos nos meus.— A porta da rua é serventia da casa — debocho, levando outra garfada de macarrão à boca, nossa! Que sabor divino, o macarrão está tão delicioso, poderia repetir o prato várias vezes, mas, como não sou eu quem estar pagando, me contento apenas com essa porção.— Está me colocando para fora, de um restaurante que nem seu é? — O ogro pergunta, uma sobrancelha arqueada em incredulidade.— Você quer sair, eu apenas disse para que serve a porta, uai — retruco, não sei o porquê, mas algo me leva a ser groseira com ele... eu acho divertidas as reações dele. — Você já
Ainda sete meses atrás: Laura Martins: Observo os fleches de luz pelo vidro fumê da janela, um silêncio expeço paira dentro do carro, que ao parar no sinal vermelho, não consigo controlar a vontade de expiar o homem estranho – que eu denominei ogro – ao meu lado, o ogro realmente é muito bonito, os seus cabelos pretos desalinhados o deixam ainda mais charmoso, mesmo com o mar gélido nos seus olhos, ele ainda consegue ser o homem mais bonito que eu já vi, mas nunca irei admitir isso para ele. Nunca! Quem diria, se eu o visse cinco dias atrás, nem prestaria atenção nele, pois os meus olhos ainda estavam enfeitiçados pelo meu ex-namorado. — Se continuar me olhando assim, praticamente me devorando com os olhos, vou começar a achar que está interessada — a sua voz me tira dos devaneios, percebo, tarde demais, que estava encarando-o com a boca meio aberta. Pressiono os lábios um contra o outro numa linha reta e volto para parecer indiferente, mas sinto o meu rosto queimar de vergonha.
Tempo atual:Laura Martins:— Ei! Vai ficar me fazendo de cachorro? — Sua voz interrompe meus desvaneios, acompanhada de cutucões na minha bochecha.Fico momentaneamente atordoada, tento processar as suas palavras, mas eu não consegui entender.— O que... o que você disse? — Questiono, a minha confusão transparece na minha voz. Eu me pedir completamente com as lembranças do primeiro dia em que o vi.Ele me lança um olhar impaciente.— Para onde devo te levar? — Ele repete, com uma leve irritação na voz, me vejo obrigada a me recompor.— Ah, sim — respondo, tentando parecer mais segura do que realmente estou. — Bairro Valéria.— Valéria? Sério? — Seus olhos desviam da estrada para mim por um breve momento, suas sobrancelhas se arqueiam em descrença, mas logo retornam para a rua. — Por que você foi morar logo no bairro mais perigoso de Salvador?— Depois que se acostuma, nem é tão ruim — tento dar uma responder de forma despreocupada.Para a minha sorte, ele nã
Laura Martins: — Laura, o que aconteceu no restaurante? O meu filho chegou aqui transtornado! — a mulher começa. Lá vamos nós, penso me preparando para receber o esporro. — O nosso acordo era para você deixá-lo feliz e não ainda mais infeliz! — A voz da mulher ressoar familiar por trás da linha. De onde a conheço... de onde... já sei! É ela! A senhora elegante e gentil de terninho. Cristiane, é esse o nome dela, por que eu não me lembrei assim que vi o ogro? Será que foi o choque por ter sido justo ele? — Está aí? — Cristiane, a mãe do ogro, chama impaciente. — Si-sim! Estou sim — respondo, tentando suar calma, mesmo com o coração disparado. — Então por que não me respondeu? — Questiona. — Eu estava tentando me lembrar de onde conhecia a sua voz — explico e mordo o lábio com vergonha da minha lerdeza. — Você não lembrava que era eu? — Consigo sentir a surpresa em sua voz. — Desculpe — peço envergonhada, provavelmente o nome dela estava no contrato, mas eu só li a parte dos bene
Laura Martins:— Você! — exclamamos juntos, ambos claramente atônitos e, no meu caso, desesperada.Meu coração dispara em meu peito, ecoando um alarme surdo que parece preencher todo o espaço da sala de reuniões. Minhas mãos tremem tanto que mal consigo segurar a bandeja. Diante de mim, com os olhos azuis mais gélidos, que parece até congelar o ar entre nós, que eu já encontrei, está o ogro... não, o CEO da empresa onde trabalho, o mesmo homem em que a mãe me “alugou” para amar. Céus!Seu olhar sobre mim é uma mistura de surpresa e irritação, tão intensa que nesse momento, eu quero desaparecer.A única coisa que consigo fazer é encará-lo com uma expressão que eu só posso imaginar como uma mistura de choque e horror.Sinto os olhares curiosos de todos sobre nós, olho em volta e subitamente me sinto muito pequena. Sinto o peso de cada olhar, julgando, questionando. Procuro por uma rota de fuga, mas a realidade da situação me golpeia com força. Não tem como eu correr.— O que está fazend
Fernando Duarte:Não consigo me concentrar nos desenhos dos designs das novas joias apresentadas nos slides. Na minha mente só vem Laura, especificamente o dia em que nós encontramos pela primeira vez: Sete meses atrás:— Senhor, vim busca-lo — Ana informa por trás da porta.Ajeito o paletó, levanto da poltrona e seguro a maleta com alguns papeis dentro. Saio do quarto e Ana segue atrás de mim, de frente a porta de saída de casa, meus pés travam. Depois de dois anos, sendo perseguido pelas vozes, atormentado pelo passado, torturado pelas lembranças e me sentindo culpado, essa é a quinta vez que saio dessa casa; com o passar do tempo, até a luz do dia começou a me incomodar, ficar no escuro fazia as vozes se calarem.Mas a minha mãe, me tirou de dentro de casa. Ela e a minha irmã, agora sei que foi tudo armado pelas duas, no começo fiquei com raiva, mas agora me controlo melhor.Não quero sair! A minha mente e o meu corpo gritam, aperto com força a alça da maleta,
Laura Martins:— Logo você ficará boa — Oliver diz terminando de enfaixar a minha mão, e fecha o kit de primeiros socorros.— Obrigada — agradeço. — Como eu nunca te vi antes? — Questiono curiosa. Oliver, apesar de ter uma beleza quase feminina, é bonito. Seria impossível não reparar nele.— Oliver, está aqui? — A voz de Mike ressoa, antes que Oliver possa me responder. — Oliver, por que você chegou... — ele para de falar ao me ver, então olha para Oliver que está ao meu lado e para mim novamente, repete o movimento mais uma vez e só então repara na minha mão. — O que aconteceu?Mike se aproxima preocupado, pega na minha mão e observa o curativo feito por Oliver.— Está doendo? — Indaga preocupado.— Não, Oliver passou uma pomada de assadura e fez um curativo para a pomada não sair.— O que aconteceu para queimar sua mão assim?— Na sala de reunião, uma mulher do nada fingiu que eu prendi a xícara de café e derrubou ele na minha mãe, depois começou a gritar como eu ousava derruba café
Laura Martins:— Não sabia que era o senhor — respondo, canalizando a tranquilidade de um monge em meditação, embora por dentro estivesse mais para um desenho animado em pânico. — Creio que esclareci isso no restaurante, lembra? Quando você decidiu gritar comigo na frente de todas aquelas pessoas — acrescento, lançando-lhe um olhar significativo.Fernando me encara com uma frieza calculada, seus lábios formam uma linha reta, mas eu percebo uma ligeira hesitação em seus malabarismos com a caneta.— Como conheceu a minha mãe? — Ele dispara a pergunta, e eu quase engasgo com a surpresa.Droga!— Por que acha que eu conheço a sua mãe? — Retruco, tentando soar tão inocente possível, quanto uma criança flagrada fazendo travessuras, enquanto desesperadamente tento ganhar tempo para tecer uma resposta plausível.Fernando para de brincar com a caneta, seu olhar foca intensamente em meu rosto, quase me perfurando e analisando, tentando encontrar a verdade em minhas feições. Falho miseravelmente