02 - A oportunidade perfeita

TAMARA

— Caralho, você está mesmo na merda! Se meter com traficante... jura, Tamara?! — a Drika reprovou na hora a minha escolha, antes mesmo que eu pudesse terminar de contar como foi ter uma arma apontada e engatilhada, pronta para estourar a minha veia femoral.

— Não é como se ela tivesse assinado o atestado de óbito, Dri! — a Nandinha interviu, me lançando um olhar solidário.

Ela era como eu. Mas, a única diferença era que o irmão dela estava vivo, pagando o curso e todos os materiais possíveis até para uma segunda formação, ou uma segunda pessoa. E o que era irônico demais, era a insistência dela em querer dividir tudo comigo desde o momento em que eu perdi o meu emprego. 

Eu poderia aceitar só para não fazer desfeita? Sim. Mas eu sempre fui orgulhosa, e quando o meu irmão morreu, o meu orgulho virou uma parede de aço. Impenetrável a qualquer gentileza, e seja ela de onde fosse, a minha resposta sempre era um não. Agora não se tratava mais das passagens ou só dos materiais, era a minha formação na faculdade que estava em jogo, e só eu tinha o poder de mudar isso.

— Claro que não, é bem pior que isso! — exclamou, inconformada, continuando com o seu discurso do certo e errado, e em como eu poderia ter pedido ajuda.

Suspirei pesadamente, e com um cigarro entre os meus dedos eu desencostei da parede para encarar a loira que tagarelava como um Ring Neck, repetindo, e repetindo o quanto eu iria me arrepender daquela escolha.

— Eu não preciso de lição de moral, Drika. Que, que foi, você já está pirando? — questionei — Eu nem consegui a porra do convite, você deveria está feliz por isso ao invés de ficar querendo me dar um sermão de moral e ética dentro de uma sociedade da qual eu não faço parte!  

— Calma, Tamara... — a Nandinha segurou a minha mão tentando me fazer parar de falar, antes que eu acabasse com o nosso trio.

— Calma?! — fui irônica — Calma ô caralho, Fernanda! Ela fala como se já tivesse passado por algo do tipo, e nem vem me falar que isso é a porra da empatia, porque não é. — falei sem desviar o olhar da loira, que agora permanecia calada — Ela pode está certa que essa escolha foi uma das piores que eu já fiz na minha vida, mas ela não sabe o que eu estou passando, ou pelo que eu passei para chegar até aqui. — cuspi tudo o que estava entalado na minha garganta desde o momento em que ela começou com o discursinho hipócrita — Eu estou de saco cheio de você querer ser a boa amiga rica que fala tanto em ajudar, mas que quando eu precisei sempre tirou o seu da reta.

— Tamara, eu não... 

— Tamara, eu não... O quê? — a interrompi — Você é a porra de uma hipócrita, Drika!

Soltei a mão da Fernanda e saí dali sem deixá-la continuar a discussão que eu havia começado. A verdade era que a Drika sempre achou mais conveniente estar com bolsistas ou pessoas mais humildes, só para parecer superior a todos. Isso havia ficado claro para mim desde o primeiro momento em que ela se mostrou tão simpática e prestativa, mas na hora do vamos ver ela pulou fora, e a única que me emprestou algum dinheiro pra poder voltar para casa foi a Fernanda. E não, ela não tinha obrigação de me dar ou emprestar dinheiro nenhum. Mas daí já dá para entender bem o que eu quero dizer.

O fato dela me julgar pela escolha de vender drogas era hipocrisia se ela financiava uma outra boca de fumo qualquer. 

Antes de sair de trás do Campus eu joguei a ponta do cigarro no chão, apagando o mesmo com a ponta do tênis. E para tentar disfarçar o odor forte de fumaça que emanava de mim, tateio os bolsos da minha mochila atrás de uma bala sabor menta e um dos meus perfumes, para encobrir o hábito que havia virado um vício quando a ansiedade chegava para me dar um bom dia e me lembrar de como eu estava sozinha para cuidar de mim e da minha mãe.

— Acha mesmo que uma balinha de menta, e um perfume barato vai resolver? — um sobressalto, e eu quase morro engasgada com uma balinha — Ou, calma aí — ele levantou um dos meus braços para cima, como se fazendo isso fosse me ajudar e logo se pôs na minha frente segurando a minha recém aberta carteira de cigarros — Você não pode morrer assim! Seria a puta de uma piada, e eu ainda preciso daquele mesmo favorzinho que você me fez a alguns meses atrás.

Respirando fundo, tentei pegar a carteira de cigarros de volta e ele levou o braço para o alto com um sorriso debochado, estampado em seu rosto. 

Ele era bem mais alto que eu, e debochar da minha estatura era seu hobby favorito. Isso geralmente me deixaria puta, mas eu já estava vacinada contra o deboche do aspirante a engenheiro, João Fragoso, ou como eu carinhosamente chamo, o diabo de olhos azuis.

— Só isso, e eu não te peço mais nada, Medgata! 

— Enfermagem, Dibo. Eu faço enfermagem! — corrigi, mesmo cansada de fazer isso todos os dias, ou só quando ele me procurava para pedir favores. O que era um saco, porque eu sempre acabava cedendo, e só ele se beneficiava.

Como no dia em que eu trouxe cinco papelotes de cocaína da comunidade para ele, e seu único agradecimento foi um tapinha nas costas.

Esse tinha sido o favor.

— Tanto faz, M&M, você não queria mesmo estar aqui. Porquê se importa? — mesmo sabendo de toda a minha realidade fodida, ele fez pouco caso e roubou um cigarro da minha carteira, enfiando uma das mãos em um dos bolsos do meu moletom, talvez à procura de um isqueiro.

— É importante pra mim, e você sabe disso. Ele queria que eu fosse alguém, e eu vou fazer isso por ele. — falei, pegando a minha carteira de volta jogando dentro da mochila.

— Ele está morto, esquece isso.

Para pessoas de fora, como ele, falar era fácil. Mas o fato de eu ter amado o meu irmão incondicionalmente, ao ponto de não ligar que ele era um criminoso, me proibia de esquecer o luto. A dor da perda era uma merda, e a cada dia, eu sentia que estava afundando cada vez mais, sem ajuda para emergir, afogando com o meu próprio choro que a dias está entalado feito um nó na minha garganta.

— Você precisa seguir em frente, Tamara...

— O que você quer, João? — o interrompi, antes que ele me fizesse chorar e não fosse capaz de me consolar mais uma vez.

Ele era o tipo de amigo que você não pode contar, mas mesmo que indiretamente, ou com um deboche e outro, ele sempre dá os melhores conselhos e na minoria das vezes, é o único capaz de te tirar de certas enrascadas.

Aquela amizade que não passa de um conhecido, mas que ainda assim em meio a todos e quando você menos espera, é o único disposto a fazer algo por você.

Eu o conheci no pior momento da minha vida. Não foi um dia ensolarado para mim, e não estava nos meus planos colocar os pés na universidade, mas eu precisava ir. Quando cheguei, a Fernanda não havia aparecido e a Drika sempre dava um jeito de se livrar da minha companhia. Eu estava sozinha, foi então quando ele apareceu. 

Olhos azuis penetrantes, um sorriso leviano que ao mesmo tempo exalava deboche, e um cigarro entre os lábios. Uma aparência digna de um personagem clichê, onde ele seria um bad boy que comete bullying com a mocinha.

Ele foi uma surpresa, mas não sei dizer se era surpresa boa ao julgar pelo currículo problemático dele.

Corações partidos, drogas, na maioria das vezes, pesadas. Festas duvidosas, e rachas de motos que causaram acidentes catastróficos. Ele era o caos em meio a falsa calmaria dessa sociedade, e eu achei bem justo o apelido que coloquei nele.

— Meu fornecedor rodou, M&M, e eu estou sem reserva. Rola de tu descolar alguma coisa pra mim? — perguntou. E me puxando para os fundos do Campus, ele colocou o cigarro entre os lábios e levou o isqueiro até ele, acendendo o mesmo.

E aí estava a oportunidade perfeita. Ele era a minha passagem para acessar o mundo e os segredos mais obscuros da classe alta, e eu não poderia perder essa chance. Ele me colocaria para dentro da resenha, sem que eu fizesse algum esforço para isso.

— Eu posso fazer algo melhor do que comprar e repassar pra você, Dibo. — falei e ele soprou a fumaça sobre mim, me dando toda atenção possível.

— Eu sou todo ouvidos, M&M.

— Descola o convite da resenha pra mim, que eu levo a alegria da festa. — falei, e afastando o cigarro dos lábios outra vez, ele sorriu como um cúmplice disposto a fazer o que eu havia sugerido.

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