Narrado por LaraMinhas mãos tremiam enquanto eu abria a gaveta e pegava a camisola de cetim claro. Era leve, quase translúcida, e eu mal conseguia olhar para ela sem sentir o estômago revirar. A ordem ainda ecoava na minha mente, como uma sentença:“Hoje você vai dormir no meu quarto. E eu não aceito negativa.”Engoli em seco.Troquei de roupa devagar, sentindo a pele arrepiar a cada pedaço de tecido que tocava meu corpo. Eu estava com medo. Não era mais um medo vago, uma sensação... era real. Palpável.Terminei de me vestir, respirei fundo e saí do quarto. Cada passo pelo corredor parecia me levar direto para o centro de um abismo.A porta do quarto dele estava entreaberta. Empurrei devagar, revelando a luz baixa, o ambiente perfumado, e Khaled sentado na beirada da cama, com um copo de uísque na mão.Ele levantou os olhos lentamente. Quando me viu, não disse nada por alguns segundos. Apenas me observou. Eu podia sentir o julgamento no olhar dele, mas também algo mais... algo mais e
Narrado por KhaledA noite anterior queimava na minha memória como álcool em ferida aberta. A forma como ela me olhou... como se eu fosse um monstro. Como se tudo que eu tivesse feito por ela fosse lixo.Passei a madrugada em pé, andando pelo quarto como uma fera enjaulada. A raiva me consumia por dentro. Eu dei tudo. Proteção, luxo, poder. E ela me olha como se eu fosse a escória do mundo.Ela quer ir embora? Ótimo.Na manhã seguinte, ainda antes do sol nascer completamente, liguei para minha secretária.— Compre uma passagem para Lara. Um voo direto para o Brasil. Primeira classe.— Senhor...— Sem perguntas, Amira. Também quero o passaporte dela pronto, e entregue até o meio-dia.— Sim, senhor.Desliguei sem dizer mais nada.Peguei um uísque, mesmo sendo cedo demais pra beber. Eu não ligo. Eu estava com raiva. Raiva dela, raiva de mim mesmo por me permitir sentir alguma coisa. Eu sabia que era um erro desde o início. Ela era diferente, sim. Mas isso não fazia dela especial o sufici
Narrado por LaraO envelope ainda estava sobre minha cama, como se me provocasse silenciosamente. Passagem de volta. Passaporte. O caminho de fuga que eu tanto desejei durante dias… ali. Fácil. Mas o que me esperava do outro lado?Peguei o celular. Minhas mãos suavam. Disquei o número do meu pai. Eu precisava ouvir dele. Precisava saber se, de alguma forma, ainda havia espaço para mim naquela casa.— Alô? — a voz dele soou fria, impaciente.— É a Lara… pai.Houve um silêncio incômodo. Um que dizia muito mais do que qualquer palavra.— O que você quer?Engoli em seco.— Eu… recebi meu passaporte de volta. Uma passagem. Queria saber… se o senhor quer que eu volte pra casa. Se as coisas mudaram.Mais silêncio. Dessa vez, ele soltou uma risada baixa. Sarcástica.— Mudaram sim. Estamos vivendo bem, graças ao acordo que eu fiz com aquele homem. Vendendo você.Meu coração despencou.
Narrado por KhaledQuando abri a porta do quarto de hospital e vi Lara tão pálida, tão quebrada, deitada ali... um peso atravessou meu peito com força. Eu, Khaled Rashid, homem temido por todos, me senti impotente.Aproximei-me devagar, sem querer assustá-la ainda mais. Meus passos pareciam pesados demais para aquele ambiente branco e silencioso.Ela me viu. Virou o rosto. Mas não disse nada.— Fui eu que fiz isso com você? — perguntei, com a voz mais baixa do que imaginei que conseguiria usar.Ela continuou em silêncio. Algumas lágrimas escorreram pelo canto dos olhos. Isso me rasgou por dentro.— Me desculpa — falei, respirando fundo, com dificuldade. — Eu não queria te deixar nesse estado. Mas... se não fui eu, então quem foi?Ela virou devagar, com os olhos avermelhados.— Eu liguei para o meu pai.Fechei os olhos. Aquilo já me dizia muito.— E?— Ele disse que eu não faz
Narrado por Alberto Eu estava sentado na poltrona da sala, copo de uísque na mão, quando recebi a mensagem. A tela do celular se acendeu com o nome de Khaled, e bastou uma frase para meu corpo inteiro gelar: "A partir de agora, você não verá mais um centavo meu." Li mais duas vezes. O copo rangeu na minha mão de tanto que apertei. O contrato. O investimento. As parcerias. Tudo por causa daquela menina ingrata. Lara. Soltei o ar com força e joguei o celular no sofá. O som do impacto fez minhas filhas olharem da escada. — O que foi, pai? — perguntou Nathalia, cruzando os braços. — Que cara é essa? Bianca veio logo atrás, a expressão desconfiada. — Não me digam que o Khaled... — Cortou tudo — falei, com amargura. — Encerrado. Parceria, investimento, confiança. Tudo. Por causa daquela garota. As duas se entreolharam. Bianca foi a primeira a reagir. — Isso não pode estar acontecendo! — Ele ficou contra a gente? — Nathalia perguntou, incrédula. — Por causa da Lara?
Alberto VasconcellosA ruína não chega de uma vez. Ela se insinua aos poucos, como uma praga silenciosa, destruindo tudo o que construí ao longo dos anos. Eu a vi se aproximar, tentei resistir, mas era como segurar areia entre os dedos. A Vasconcellos Import & Export, a empresa que levei uma vida inteira para erguer, estava falida.Foram anos de glória. Eu dominava o mercado de commodities, transportando produtos valiosos pelo mundo inteiro. Meu nome era respeitado, meus contratos eram disputados e meu império parecia inabalável. Mas o mundo dos negócios é cruel. Com a ascensão de novas potências econômicas, a concorrência ficou impossível. Empresas chinesas e árabes começaram a dominar o setor, oferecendo preços com os quais eu simplesmente não podia competir.Os contratos começaram a cair. Clientes antigos romperam acordos que existiam há anos. Investidores se afastaram. Fiz de tudo para segurar minha posição: peguei empréstimos, cortei custos, apostei em novas estratégias. Mas foi
Alberto VasconcellosEntro em casa e, como sempre, sou recebido pelo silêncio pesado que habita este lugar. Antes, minha casa era um reflexo da minha posição: móveis importados, quadros de artistas renomados, tapetes persas. Agora, tudo perdeu o brilho. Parece um cenário prestes a desmoronar.Subo as escadas, sentindo a tensão no ar. Minhas filhas estão todas em casa. Posso ouvir as vozes delas no andar de cima. Natália e Bianca, as mais velhas, conversam animadamente sobre alguma besteira fútil. Lara, como sempre, está quieta.Abro a porta do escritório e me sirvo de uma dose de uísque antes de encará-las. Minha paciência anda curta, e eu sei que não vou gostar das reações que estão por vir.— Reúnam-se na sala — digo alto o suficiente para que todas me ouçam.Natália e Bianca descem primeiro, com ares de tédio. São exatamente o que a sociedade esperava que fossem: filhas mimadas de um empresário rico. Sempre tiveram tudo do bom e do melhor, e mesmo agora, com a falência batendo à p
Lara VasconcellosSempre soube que era diferente das minhas irmãs. Desde pequena, eu sentia isso. Enquanto Natália e Bianca eram o orgulho do meu pai, sempre ganhando presentes caros, viagens de luxo e tudo o que desejavam, eu era a sombra. A filha esquecida.Não sei exatamente quando percebi que meu lugar na família era esse. Talvez tenha sido nos aniversários, quando minhas irmãs recebiam joias caras e vestidos importados, e eu ganhava um "parabéns" dito às pressas. Ou talvez tenha sido nos natais, quando elas desembrulhavam presentes luxuosos enquanto eu, muitas vezes, sequer era lembrada.A verdade é que, por mais que eu tentasse, nunca fui suficiente para ele.E o pior de tudo? Eu nunca soube o que fiz para merecer esse tratamento.Até entender.Minha mãe morreu no meu parto.Ela morreu para que eu vivesse, e isso me transformou na inimiga do meu pai desde o momento em que nasci.Eu não lembro dela. Não sei se seu cabelo era liso ou cacheado, se sua risada era alta ou suave, se