Nos Braços da Máfia - Série Família Mancinni
Nos Braços da Máfia - Série Família Mancinni
Por: Bia Almeida
Capítulo 1

NOVA IORQUE - CINCO ANOS ATRÁS

PERLA

Estou tão cansada. Desde que comecei meu curso de direito, não faço outra coisa que não seja estudar. Estou no final do segundo período, em fase de prova, as quais tenho praticamente todos os dias. Nesse período, minhas disciplinas são direito civil, penal, constitucional, do trabalho, administrativo e econômico. Esse último, em especial, é o que preciso melhorar as notas.

Sou nascida e criada em Nova Iorque, porém, meus pais são italianos, nasceram em Roma. Eles vieram viver o sonho nova-iorquino a pouco mais de dezoito anos atrás. Minha mãe estava no seu segundo mês de gestação quando eles vieram morar na grande maçã.

Meus pais mantêm suas origens. Em nosso cardápio diário, fazem questão da comida da sua terra natal, e também se comunicam entre si em seu idioma. Apesar de o meu lar ser praticamente italiano, gosto de ser americana e de tudo que aprendi nessa cidade que nunca dorme.

Saí da faculdade com intenção de tomar uma ducha, almoçar, descansar um pouco e estudar, porém, ao entrar em casa, encontro minha mãe um pouco mais agitada do que o normal. Assim que me vê, ela fica contente.

⸻ Que bom que você chegou, tesoro. Tuo padre vai oferecer um jantar de negócios hoje à noite, você precisa estar apresentável para nossas visitas.

Acho estranho seu comentário.

⸻ Por que eu preciso estar apresentável? Do jeito que a senhora disse, parece que eu sou o motivo da negociação do meu pai.

Minha mãe não me responde. Caminha em direção ao armário, abre as portas e fica olhando dentro do armário em silêncio. Parece que está pensando o que fazer para o jantar.

Madre ⸻ chamo-a.

⸻ O que você acha? De entrada podemos fazer uma bruschetta; de prato principal, gnocchi.

⸻ Nossos convidados são italianos?

Si ⸻ ela diz.

⸻ Alguém da nossa família, ou conhecidos de vocês?

⸻ Digamos que é alguém que não vemos há muito tempo. Agora, me deixe sozinha. Faça o que te pedi, esteja apresentável, nada de jeans e camiseta.

Quem será essa pessoa? Minha mãe me disse que é um jantar de negócios, ao mesmo tempo, disse que se trata de alguém que ela conhece, provavelmente do tempo em que ela e meu pai moravam em Roma.

Sempre que meus pais querem me exibir para alguém, a primeira coisa que eles vetam é o meu jeans. Desde criança, nunca fiz o estilo bonequinha. Sempre gostei de short, calça, de correr, jogar bola. Eu podia ser eu mesma em casa e quando não tínhamos visita. Nos meus aniversários, ou em eventos em que eles me levavam, eu tinha que ser a filha perfeita, uma verdadeira Barbie.

Era obrigada a ser amiga da criança que meu pai escolhesse. Com o tempo, conforme fui crescendo, percebi que eram filhos de homens poderosos com quais ele queria fechar negócio.

Meu pai entra no meu quarto, beija minha testa e me entrega uma caixa. Abro-a e dentro dela tem um lindo vestido branco. Ele possui uma renda delicada, me lembra aqueles vestidos das personagens donzelas de filme à espera de um príncipe encantado. Apesar de lindo, não tem nada a ver comigo.

⸻ Visto-o no jantar. Você tem meia hora para ficar pronta. Não me desaponte.

Não posso nem argumentar, apesar de saber que seria inútil, mas nem consigo perguntar de quem se trata. Ele simplesmente termina de falar e sai. Desapontada, pego o vestido em minhas mãos, virando-o de um lado e do outro. Levanto-me, vou até o grande espelho que tem no meu quarto e o coloco na minha frente. Penso em não o usar, mas sei que se não o fizer haverá consequências. Uns dos motivos por eu ter escolhido direito é poder advogar a minha própria causa; meu pai queria que eu fizesse contabilidade para poder trabalhar em sua empresa, mas, se assim eu fizesse, nunca teria opção de escolha. Sempre são eles que decidem tudo.

Vinte minutos antes do horário marcado para o jantar, minha mãe entra no meu quarto. Quando me vê só de lingerie, reclama. Ela diz que os convidados chegaram. Apressada, pega o vestido em minha cama e o joga em cima de mim. Foram pouquíssimas as vezes que a vi tão nervosa. Peço que ela se acalme, digo que estou me maquiando para depois pôr o vestido. Ela não me ouve, apenas diz que tenho dez minutos para me juntar a eles antes de sair e bater à porta.

Visto-me, calço minhas sandálias, dou uma última olhada no espelho, saio do quarto e desço as escadas. Ouço uma voz grossa, firme, sem gentileza, conversando com meus pais. Nos dois últimos degraus, três homens surgem no meu campo de visão. Um deles, o que falava com meu pai, me vê. Seus olhos percorrem meu corpo de cima a baixo; me sinto desconfortável.

Ele se levanta e meus pais, que estão no sofá a sua frente, olham para trás. Ao me verem, também se levantam.

Figlia, você está linda ⸻ meu pai diz assim que me vê, sem muito entusiasmo. Aproximo-me deles. O homem, que está em seu terno elegante e aparenta ter uns quarentas anos, permanece com seus olhos em mim.

⸻ Esse é Salvatore, figlia, um amigo do seu pai que mora na Itália.

Salvatore pega minha mão e a beija. Um estranho arrepio percorre meu corpo, me deixa temerosa. 

Tua figlia è molto bela. Fico satisfeito de você honrar nosso compromisso, cheguei a pensar que queria me enganar quando se referiu à beleza dela.

Esse jantar marcado de última hora é estranho, essas pessoas são estranhas, o clima nesta sala está estranho. Não sou apresentada aos outros dois homens. Minha mãe até agora não disse uma única palavra. Olho para ela e vejo medo em seus olhos. Meu pai fala o tempo todo de o quanto sou perfeita, fala sobre qualidades que nem tenho, como saber bordar. Não sei de onde ele tirou isso. O homem me analisa, e eu faço o mesmo, mas seus olhos e sua postura são frios.

Alguns minutos depois, minha mãe pede permissão para pôr a mesa. Permissão? Isso é muito estranho. Acompanho-a até a cozinha. Estou morrendo de curiosidade para saber o que está acontecendo, mas sei que se eu perguntar agora será em vão. Depois da mesa posta, voltamos para sala. O tal do Salvatore está exaltado, ele grita com meu pai.

A última lembrança que tenho é de correr em direção ao meu pai.

Acordo em um enorme e belíssimo quarto. Sobre meu corpo, uma camisola que não vesti. Olha tudo em volta, assustada, sem entender como vim parar neste lugar. Flashes da noite do jantar piscam em minha mente. Minha mãe chorando. Os dois homens que estavam acompanhando Salvatore segurando-me, cada um em um braço, enquanto eu me debatia e gritava, implorando para eles me soltarem.

Onde estou?

De quem é esse quarto?

Cadê meus pais?

Por que aquele homem estava enforcando meu pai?

Uma senhora de uniforme de empregada entra no quarto. Assusto-me e jogo o lençol sobre mim. Estava tão perdida tentando lembrar sobre aquela noite que nem vi a porta se abrir.

Ela se refere a mim como signora Bazzoti. Olho para minha mão e vejo que uso uma aliança de casamento, mas como? Não sei nem como vim parar aqui, muito menos me casar. Ela me diz bom dia em italiano e diz que o Don Bazzoti quer me ver em meia hora. Atordoada, não digo nada, permaneço onde estou. Ela faz uma cara de poucos amigos e diz que ele não gosta de esperar. Que porra é essa de senhora Bazzoti e Don Bazzoti?

Assim que ela sai do quarto, levanto-me e faço um tour por ele. Vou até a sacada e vejo que ela é alta, o que dificulta caso eu precise fugir. Olho para o grande jardim e o que vejo me assusta: vários homens armados. Com medo, retorno para o quarto. Caminho um pouco e encontro o closet. No seu lado direito, tem diversas roupas de mulher, todas com etiqueta.

Será que são para mim? Escolho um vestido, sem muito interesse. Ao lado do closet, tem uma porta. Abro-a e encontro o banheiro. Retorno ao closet e procuro lingerie; encontro uma gaveta repleta, todas novas.

Entro no banheiro e tomo um banho rápido; a mulher me deu apenas meia hora, meu tempo deve estar terminando. Pelo o que ele fez com meu pai, tenho medo que, se eu o desobedecer,

possa fazer pior. Em frente ao espelho, limpo minhas lágrimas e digo a mim mesma: Perla, pare de chorar, chegou a hora de ter respostas. Saio do banheiro e encontro a empregada aguardando-me. Eu a acompanho, com medo do que vou encontrar no meu caminho.

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