Capítulo 4

QUEBRADA

PERLA

Hoje completa um mês que retornei para a faculdade. Ainda custo a acreditar nas pequenas e preciosas mudanças em minha vida. A primeira foi voltar a cursar direito; nem nos meus melhores sonhos poderia imaginar que Salvatore permitiria que eu voltasse a estudar.

Continuo não demostrando medo em sua presença. Algumas vezes, o pego observando-me. Não sei o que se passa em sua mente tão perversa, mas sou grata por ele nunca mais ter me violentado sexualmente. Depois daquela nossa primeira vez de sexo sem violência, continuo entregando-me a ele todas as vezes que ele me quer. Com isso, ele não age mais como um monstro. Se a situação fosse outra, poderia até dizer que fazemos amor, mesmo que este sentimento não exista da minha parte,

muito menos da parte dele. Salvatore deve desconhecer esse sentimento. Todos somos instrumentos em suas mãos, o que nos resta é dançarmos conforme a música.

Meu marido não tem mais me agredido fisicamente, porém, verbalmente continua o mesmo de sempre. Ainda mantenho a distância, só me aproximo quando solicitada. Considero essas mudanças uma vitória, tenho que agir com cautela para não colocar tudo a perder. Um homem como meu marido é imprevisível.

Nina e eu estamos cada vez mais amigas. Ela tem dois irmãos, que são casados. Um tem vinte e quatro anos; o outro, vinte sete. Seu pai é um grande empresário e, segundo ela, ele é aquele tipo de homem família, que faz de tudo para cuidar e proteger os seus. Nina tem um terceiro irmão, que está no Brasil. Ele tem trinta anos e é advogado; foi para lá a serviço da empresa do seu pai, que tem negócios em solo brasileiro.

Sou apaixonada pelo Brasil, é um país solar, as pessoas são gentis e felizes. A sua maioria, humilde, porém, felizes. A alegria é algo que já nasce com o brasileiro. Passei um período de dois anos lá com meus pais quando eu tinha dez anos, depois retornamos quando fiz quinze anos, ficamos mais um ano por lá. Aprendi um pouco de português, é uma língua bem difícil, porém, muito bonita.

Pego minha mochila e saio da sala de aula, conversando com a Nina. De repente, sinto uma mão pegando meu braço com força. Olho assustada, é Giovanni, meu segurança; ele praticamente me arrasta pelo corredor. Alguns alunos ficam me olhando e o sigo sem questionar, pois, sei que tem dedo do meu captor nisso. Sinto vergonha, todos me observam. Nina fica assustada. Como eu, ela não entende o que está acontecendo.

Chego no estacionamento e Giovanni praticamente me joga dentro do carro, onde há dois homens, o motorista e o carona. Giovanni fica atrás comigo. Quando chego em casa, há vários soldados espalhados por toda parte, fortemente armados. Vejo Salvatore, que nem me olha nos olhos. Friamente, ele diz:

⸻ Levaram Donna.

Neste momento, meu mundo desaba. Esta frase vem como um concreto sobre mim. Sou retirada do chão pelo Giovanni e outro homem.

Portala in camera da letto e assicurati che non se ne vada.

Salvatore manda Giovanni me levar para o quarto e certificar-se de que eu não saia de lá. Ele fala em italiano, como se eu não pudesse entender. Não tenho forças para perguntar nada, no momento só quero ter minha filha de volta em meus braços. O frio Salvatore não faz a mínima questão de me dizer se tem um plano para trazer minha Donna, nossa filha, de volta.

Meu corpo está pesado e Giovanni me coloca em seus braços. No quarto, ele me coloca sobre a cama. As palavras do Salvatore martelam em minha cabeça. Levaram a Donna. Derramo-me em lágrimas, o medo de perder minha filha me atingindo. Homens como Salvatore são capazes de tudo, sinto-me impotente trancada neste quarto.

Se eu não tivesse desabado na frente dele, talvez ele deixasse que eu ficasse com ele. Poderia saber mais do que

realmente está acontecendo, mas como encenar com a minha filha em perigo? Como manter a calma vendo o meu maior medo sendo realizado? Sempre soube que um dia isso poderia acontecer, um homem como meu marido tem inimigos por todos os lugares, e, nesses casos, sempre quem paga a conta é a família. Infelizmente, eles levaram a minha filha e não a mim.

Não tenho como continuar meu teatro, Donna é a única razão pela qual me mantive viva durante todos esses anos. Todas as vezes que fui trancada naquele quarto escuro, hesitei em acabar com a minha vida por causa dela.

⸻ Quero minha filha ⸻ grito a plenos pulmões.

A porta é aberta, Giovanni surge e me diz que precisamos ir.

⸻ É a Donna, vocês a encontraram? Vocês acharam minha filha?

Ele não diz nada, com as mãos indica que eu preciso o seguir. Na sala, dois homens nos acompanham até o carro; não são os mesmos de antes. A casa já não está tão tumultuada,

apenas os seguranças de sempre transitam por ela. Paramos na porta de um hospital e meu coração acelera. Giovanni anda em passos longos e eu praticamente corro pelo corredor do terceiro andar deste hospital. Na porta do quarto, há quatro homens. Minhas pernas congelam, não consigo sair do lugar.

⸻ Minha filha, minha Donna.

Giovanni pega em meu braço com delicadeza, me encarando com tristeza em seus olhos. Faço uma oração interna e me forço a prosseguir. No quarto, minha filha está ligada a alguns aparelhos. Salvatore está sentado em uma cadeira com o rosto escondido no leito dela. Giovanni pega uma cadeira e coloca do lado contrário em que Salvatore está. Ele me ajuda a sentar. Não consigo dizer uma só palavra, meu corpo e minha alma doem.

Minha menina.

Minha alegria.

Minha vida.

Olho para seu corpo pálido sobre a cama, praticamente sem vida. Um médico entra no quarto e pergunta ao Salvatore se ele já está pronto, ele levanta a cabeça e diz que sim. Olho para ele, que age como se eu não estivesse ali, depois para o médico, que percebe que não sei do que se trata.

Tua figlia? ⸻ Confirmo, receosa. ⸻ Ela teve morte cerebral, demos um tempo para seu marido se despedir para que possamos desligar os aparelhos, já temos a sua autorização.

Olho para Salvatore com todo ódio possível que extraio da minha alma. Como ele pôde vir sem mim para o hospital, autorizar que desligassem o aparelho da minha filha sem antes me dizer que a perdemos, que por causa dele mataram nossa filha?

Ele se levanta, ainda sem me olhar, beija Donna na testa e olha para o médico.

Spegnere.

Dá a ordem para que desliguem e sai do quarto.

Lanço meu corpo sobre minha filha e chamo por ela aos berros. Meu pranto é tão alto que algumas pessoas aparecem na porta. Giovanni me tira de cima dela e eu caio de joelhos no chão. Antes, eu pensava que tudo o que passei era insuportável, mas nada se compara a essa dor. Meu coração está em pedaços. Minha alegria, minha vida se foi. Minha menina era meu sol na escuridão que é minha vida. Ela era a luz que me iluminava naquele quarto escuro, o quarto da minha punição.

Os médicos retiram tudo que está conectado a ela, Giovanni me ajuda a levantar. Aproximo-me do pequeno corpo da Donna e me deito ao seu lado. O doutor diz que em questão de minutos ela dará seu último suspiro, já que ele retirou o respirador. Canto para minha menina uma canção antiga que eu ouvia quando criança. Donna adorava essa canção. Abraçada ao seu corpo frágil, em meio ao choro entoo a canção. No fundo ainda tenho esperança que ela vá acordar e me dar aquele seu belo sorriso.

Seu coração vai parando aos poucos, até que ouço seu último suspiro, que sai quase inaudível. Minha esperança de um milagre morre junto com minha pequena Donna.

Estou completamente quebrada, e desta vez não sei se tenho forças para juntar os cacos. Minha única razão de prosseguir se foi. Uma vez, Donna me fez a prometer que um dia eu seria feliz. Minha filha, apesar de pequena, sentia toda a dor que irradiava de mim. Infelizmente, não sei se posso cumprir essa promessa. Felicidade para mim seria eu e ela vivendo longe do Salvatore. Sem ela, tudo perde o sentido.

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