PARTE 05: INSÔNIA

Um pouco de suco de laranja escorreu pela rachadura quase imperceptível que havia na jarra de vidro em formato de abacaxi, que Eva comprou na feira de artigos clássicos. Ela tinha a impressão que aquele objeto, vindo originalmente do Brasil, remetia belos dias de verão na casa de sua avó. O suco, como um rio, fez caminho pela mesa até alcançar o braço de Eva, que estava concentrada lendo uma revista de moda. Ela voltou para a realidade quando sentiu aquele toque gelado, e quando se deu conta do que estava acontecendo berrou o nome de Larry, seu marido, e ele apareceu, tão rápido quanto uma lebre que foge de um predador. Ela pegou a flanela que havia ali na pia e se debruçou sobre a mesa, interrompendo o fluxo.

— O que houve, querida? — Larry perguntou espantado, mas conseguiu identificar o motivo do desespero dela. Ele soltou um suspiro breve ao saber que não era nada de mais. Pelo grito dela, ele jurou que ela tinha visto um intruso.

— Aquela senhorinha mentiu para mim... ela havia dito que a jarra estava boa e agora, bom, encontrei uma rachadura nela. — Eva levantou a jarra no ar, desapontada por comprar gato por lebre, enquanto segurava por baixo com a flanela.

— Amor... Não era de se esperar. Ela custou cinquenta centavos. Cinquenta centavos, amor! — Ele falava aquilo com a mesma cara que fez quando ela comprou um filme pornô barato no lugar do curso de Ioga indiano que queria. Se ela prestasse atenção no título, teria certeza que isso não aconteceria. Nenhum curso de ioga é intitulado como: posições da lua.

Enquanto Larry segurava uma risada ao se lembrar daquele cômico dia, Bill atravessou por debaixo de seu braço, que estava estendido e apoiado na porta da cozinha, e foi até a porta dos fundos. Ele parecia bem apressado. Costumava ser apressado nas manhãs.

— Olé! — Larry falou, percebendo a inquietação e pressa do garoto. Não conseguiu nem reparar nas olheiras de Bill. Ele esteve acordado a noite toda, com insônia e com uma sensação estranha. Não poderia dormir imaginando que era visitado por uma entidade chamada Tommy-balão.

— Estou indo na casa do Edward e já volto — disse ele, já se distanciando, enquanto sua mãe se controlava para não reclamar sobre sair sem tomar café-da-manhã. A porta bateu, finalizando sua vontade de falar algo.

O pensamento predominante na cabeça do garoto, além da preocupação breve sobre o tempo que parecia dizer que ia cair um temporal, era, senão, so-bre a presença estranha daquela coisa. Bill começou a culpar o filme que Edward levara naquela noite, na sessão horror. Não havia lógica, ainda que pensasse por muito tempo, sobre qual seria a relação das apari-ções com o filme, ou com a morte de Pirulito. Algo internamente causava no jovem a sensação de que nada disso cabia no mesmo espaço de lógica.

Bill pisou na grama, ignorando o aviso que havia numa plaquinha caída, ao lado de uma mangueira, usada pela mãe do Edward para regar as flores do pátio de entrada, mais cedo. Ele foi até a porta e bateu, cha-mando pelo nome do amigo. Ele bateu mais uma vez, agora com força, como alguém que cobra algo às seis. Era irritante, mas necessário.

— Edward. Preciso falar com você — disse ele, em um tom alto e nítido, batendo mais algumas vezes na porta. Diminuiu a intensidade ao ouvir do outro lado, alguns passos que possivelmente vinham em direção da porta.

— Bill... —disse Edward, bocejando. Seu cabelo despenteado e sua cara amassada, indicava que ele acabara de acordar. — São 6:00 da manhã, você tem noção?

— É... Eu tenho. Agora pega o DVD pirata daquele filme que você levou para casa no último fim de semana. — Bill foi breve, fazendo Edward revirar os olhos e questionar irritado.

— O que tá rolando?

— Edward. Por favor, apenas me traga DVD — insistiu ele, agora com mais calma, tentando evitar gritar como costuma fazer quando está irritado. E ele estava, desde ontem. Não é de se admirar que pes-soas que passam a noite em claro desenvolvam uma irritabilidade aguda.

— Você tá estranho... — Edward assentiu, olhando para a cara de sono dele, e virou-se para dentro de sua casa, onde pôde contemplar o silêncio que fazia. A mãe de Edward havia saído para a padaria. — Eu já vou pegar. Entra aí.

Bill deu alguns passos, entrando na casa do amigo, mas não se sentou, apenas olhou para a nova cor da parede da sala, que havia mudado de um verde clarinho como sorvete de limão, para algo mais acinzentado. Ele até gostou, afinal, fazia lembrar da sala da casa de sua avó. Enquanto Edward revirava suas coisas em busca do tal DVD, e pensava consigo mesmo qual era o problema do seu amigo, Bill olhava para suas mãos pálidas, e contava seus dedos. Fazia aquilo quando estava nervoso. Também queria saber se aquilo era um sonho ou ele realmente estava ali, às seis da manhã na casa de Edward Bailey, procurando por um filme pirata em preto e braco. Ele sentia-se como viver um romance de horror, onde o leitor ou leitora, acompanhava seus passos apertados e sufocantes em busca de respostas, enquanto o Tommy-balão sussurrava em seus ouvidos oniscientes, o desfecho dele.

— Só você mesmo! — Edward reapareceu com um disco em mãos. Era o DVD do filme. Filme este que Edward confessou ter baixado da internet, o que explicava as propagandas no meio das cenas.

— Pega. — Edward acrescentou, estendendo a mão, mas recolheu quando Bill quase o alcançou —, mas me fala antes para quê você quer isso?

Bill teve dificuldade de pensar na resposta perfeita e como não tinha uma, inventou algo breve, após dois segundos em silêncio:

— Preciso verificar uma coisa... — Talvez aquilo não fosse a mais verdadeira das palavras, mas seria um começo. Ele observou o brilho daquele disco refletir em seus olhos, como um diamante bruto. Edward o entregou e ele recebeu como se pegasse em mãos, a coisa mais misteriosa do mundo. Ele podia sentir o cheiro daquele disco Um aroma metálico. Ele se recordava da voz de Tommy-balão rouca e calma ao seu ouvido, como um velho lobo, pronto a mordê-lo ao ponto de tirar pedaços.

Bill manteve o olhar no objeto e em seguida, o quebrou em sua coxa, deixando Edward boquiaberto. Talvez fosse a coisa mais estúpida que ele poderia ter feito, mas as explicações teriam que ser aceitáveis. Naquele exato momento a mãe de Edward chegou à casa, entrando na sala e percebendo o que acabou de acontecer. Sim, ele teria que ter explicações.

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