A face de seu protetor

Deixando evidente o quanto a desprezava e a queria distante de si, Cedric, a enviou para a ala oposta a que ocupava. Meses se passaram em que Selene via o “marido” somente à distância e nenhuma palavra era trocada entre eles.

Passado o medo, quando dois guardas agarraram seus braços e a forçaram a ir para um quarto aconchegante na ala oposta a do rei, Selene ficou confusa, mas feliz por ter seu próprio canto, por poder ficar em um ambiente tranquilo, sem agressões e ameaças.

Dias depois foi informada que teria algumas aulas com Ayala Trever, a maga poderosa de Eszter conhecida como Feiticeira Dourada. As aulas incluiriam aprender a ser uma boa rainha para Eszter e a usar magia. Relutantemente, mas sem escolha a não ser obedecer, aceitou e deu início a uma vida praticamente solitária. Cuidavam da ala quando estava nas aulas, limpando e deixando comida a sua espera, mas quando retornava ficava completamente sozinha, as refeições frias e o ambiente silencioso. Ainda assim, era melhor que em Magdala.

No início achou que o rei, cedo ou tarde, viria atrás de seus direitos, inclusive imaginou vários cenários em que se defendia e acabava com a vida de Cedric, antes que ele decidisse cortar sua cabeça como pareceu planejar no dia do casamento. Mas passaram-se as horas, dias e meses sem ele solicitar sua presença.

Embora tivesse de viver sozinha, e fosse tratada com frieza por quase todos na fortaleza, Selene apreciava não sofrer mais nenhuma agressão.

As aulas para ser uma boa rainha, que de início odiava, foram preciosas para aprender a plantar, cozinhar e administrar as demais tarefas que jamais executou no tempo que morou no domínio opressor de seu pai e do feiticeiro Mamba. Apenas as aulas de magia não serviam de nada. Assim como os exercícios passados pelo feiticeiro do reino de seu pai, os resultados eram sempre nulos, nenhuma faísca saia de suas mãos e nenhuma conjuração dava certo em seus lábios.

Voltando de outra aula infrutífera, que causou uma ruga na bela face da feiticeira Dourada, Selene decidiu aproveitar o ar fresco daquela tarde para passear no jardim.

— Boa tarde, princesa de Magdala!

Surpreendeu-se ao ter a passagem bloqueada por um homem com um largo e estranho sorriso. Pelas roupas percebeu se tratar de um empregado do castelo.

— Boa tarde! — devolveu com uma ponta de insegurança.

Os empregados do castelo – e demais moradores da fortaleza, incluindo o rei -, costumavam ignorá-la sempre que possível, por isso estranhou a abordagem e a saudação, ainda mais por mencionar seu antigo lar. Confirmando suas suspeitas o sorriso deu lugar uma risada mordaz e olhos ferozes

— Cria do demônio, acha mesmo que permitiremos que seja nossa rainha? — o homem questionou com ódio cortante como aço. — Não passa de uma intrusa que só merece a morte.

Acostumada ao tratamento rude e as palavras venenosas, Selene manteve a compostura, pronta para ignorar a nova ofensa e seguir seu rumo em silêncio.

No entanto, antes que pudesse se afastar, os lábios do empregado se moveram em uma conjuração, raios estalando nas mãos sendo logo lançados em direção a Selene.

Assustada, Selene abaixou-se para desviar do ataque, mas logo percebeu que o alvo não tinha sido necessariamente ela. Deu um passo trêmulo para trás ao ver que a magia lançada criou um vórtice de dois metros, um enorme portal em forma ovalada de onde emergiu um lobo gigante.

O animal, de olhos e pelagem verde, avançou ferozmente em sua direção, as enormes presas à mostra.

Correu o mais rápido que o medo e o senso de preservação permitiam, tentando em vão escapar do iminente ataque. Foi brutalmente jogada contra o chão por uma enorme pata com unhas que cortaram suas costas como navalhas afiadas. Girou, ficando de frente para o animal, desviou de outra patada e conseguiu se erguer, mas logo o lobo a fez cair no chão arenoso, as enormes unhas cortando a pele de suas omoplatas, o peso mantendo-a cativa embaixo da fera.

Desesperada, com a adrenalina correndo por seu corpo e não querendo morrer, tentou afastar o lobo, mas um afiado canino atravessou a carne de sua mão, a dor insuportável fazendo-a gritar.

Debateu-se, chutou, empurrou com força e gritou alucinadamente por socorro, porém, por mais que tentasse era inútil lutar e mais cortes atravessavam sua carne. Em meio à dor e aos gritos alucinados por socorro, ouviu a empregada rir desdenhosa.

— Eszter ora por sua morte noite e dia. Morra de uma vez por todas! — gritava o homem eufórico, os olhos opacos fixos na criatura ferindo a jovem. — Morra! Morra! Morra!

Novamente sentiu-se desprotegida, como nos anos passados sendo castigada pelo pai sem que ninguém viesse em seu socorro. Gravemente ferida, sentindo o sangue subir por sua garganta, impedindo que continuasse a clamar por ajuda, e com os braços e pernas pesados, incapazes de se erguerem uma vez mais, aceitou seu fim.

Com um rosnado triunfante, alimentado pela maldade incentivadora, o lobo abriu a enorme boca, deixando a mostra os afiados dentes prontos para abocanhar a cabeça de Selene.

Impedindo o golpe fatal, uma sombra veloz, com asas amplas e negras, mergulhou dos céus colidindo contra o lobo e lançando-o longe. As asas se estenderam amplamente, formando uma barreira protetora na frente de Selene.

— Como ousa ferir a rainha de Eszter? — proclamou a sombra, sua voz ressoando como um trovão.

A fera recuou diante do olhar vermelho e penetrante desafiando-a.

Lutando contra a névoa que obscurecia seus sentidos, Selene piscou para se certificar de que não estava delirando. O ser a protegendo era uma visão de intensidade magnética. Cabelo negro caía de forma selvagem sobre os ombros e as asas, majestosas e imponentes, moviam-se com uma graça sobrenatural.

O homem de asas negras permaneceu vigilante, mantendo a ameaça afastada. Sentiu uma forte e calorosa onda de alívio, Selene agradeceu aos deuses por enfim não estar mais sozinha, mesmo que fosse seu último dia de vida.

Imersa pela nebulosa nuvem da morte, observou o lobo recuar, correr até o portal e desaparecer junto com a passagem.

O ser alado prendeu o empregado e se voltou para Selene, mostrando para ela a face de seu protetor. Reconhecendo Cedric, longe de sentir alívio, Selene foi preenchida pelo medo de que ele daria fim a sua existência com as próprias mãos. Desejou aproveitar para correr, mas seu corpo estava muito ferido, debilitado e pesado, sentia-se incapaz de mover um dedo sequer, e sua visão oscilante.

Gemeu quando os braços fortes ergueram seu corpo do chão. O mundo girava e deslizava para a escuridão conforme ouvia as batidas suaves de asas. Em um lampejo de consciência, se perguntou se tudo não passava de uma ilusão de sua mente debilitada. Se estava de fato voando para longe do perigo, levada pelo homem que a rejeitou desde que se conheceram.

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