Os segredos de Alice
Os segredos de Alice
Por: Lu Mendes
A boa filha à casa torna

A cidade mais populosa do país estava especialmente linda e ao mesmo tempo triste aquela noite. Eu estava me despedindo de São Paulo. O divórcio tinha sido exaustivo. Breno não queria se separar, como se ele tivesse algum direito a isso depois de eu provar suas traições. Eu era uma escritora com apenas dois livros lançados, de muito sucesso diga-se de passagem, mas ainda iniciando uma carreira. Lembro bem do dia em que saí de Pirenópolis, na minha Goiás, levando como bagagem todas as críticas da minha família. Breno era um importante editor chefe de uma das editoras mais famosas do país. Ele se achava no direito de trair. Quanto a mim? Tive todos os direitos a me divorciar mesmo ainda o amando.

Aquela vidraça que dava vista para um dos locais mais bonitos da cidade, o centro de todos os edifícios nobres da cidade, ocupava toda a parede da minha sala, ou a sala da casa dele, não era mais minha. Apesar de eu estar saindo daquele casamento com uma Fiat Toro e um apartamento pequeno em Moema, eu precisava recomeçar por mim mesma. Aquelas luzes brilhavam, até o infinito, onde minha visão podia alcançar. A luz dos postes e dos letreiros cintilavam enquanto eu ficava parada ali diante de tanta poesia urbana, com um cigarro entre os dedos, tensa. Uma lágrima rolou, teimosa. Eu odiava chorar, apesar de sentir tudo muito, sentir intensamente. Contudo chorar não era algo que fazia com constância. Às vezes, no silêncio da noite, debruçada sobre o notebook, escrevendo alguma cena mais intensa e bonita de algum livro meu, me permitia chorar. Tudo se misturava. A cena, a ausência dele, e o pior de tudo, saber que eu estava sendo feita de idiota, enquanto ele estava na cama de outra. Em muitos momentos da vida, me deixei partir para dentro de um livro meu, onde tudo era poesia, fantasia, felicidade plena. Quando ele chegava, eu fingia acreditar em todas as suas mentiras. Era isso ou infinitas discussões das quais eu já estava farta.

Breno era um homem negro muito bonito. Quando vestia um Armani, ficava impecavelmente belo e o seu poder de atrair novas escritoras cheias de sonhos, era quase irresistível. Eu tinha resistido, talvez por isso fomos casados por cinco anos. Eu era aquela que ele não conseguiu conquistar facilmente. A minha jornada como escritora não tinha sido fácil, batendo de porta em porta com meus suspenses sob o braço, recebendo uma série de negativas que pareciam não ter fim. Afinal o mercado do livro não era um caminho de flores para iniciantes. Breno me aceitou e fiz um estrondoso sucesso com duas sequencias adoradas pelos fãs. O problema é que eu não queria escrever uma terceira, eu estava cheia de ideias quando soube das traições dele. Eu queria provar que era boa, precisava provar a mim mesma, mas caí no abismo profundo da auto piedade e tristeza quando soube que ele preferia estar com outras mulheres a ter uma família comigo.

Aquela noite era a decisiva para ir embora. As minhas malas já estavam prontas e nelas cabiam minhas esperanças de retornar a mim mesma, voltando a fazenda dos meus pais, em Pirenópolis. Eu queria urgentemente sair dali, sair do que era dele, deixar aquela tristeza para trás e nunca mais me deixar enganar. O cigarro queimou meu dedo enquanto eu vagava pelas lembranças de um começo feliz e da tensão de um futuro incerto. A única coisa que era certa é que eu teria o amor dos meus pais e irmãos que nunca tinham deixado Goiás e que eu poderia me reconstruir no lugar onde verdadeiramente pertencia minha alma. Levei o dedo a língua para tentar aplacar a queimadura e apaguei o cigarro no cinzeiro para em seguida sair dali, levando minhas esperanças de dias melhores. Ainda hesitei um pouco e em seguida fui para meu quarto dormir para pegar o avião logo cedo.

Pela manhã, tomei meu café e fui embora. Ao descer do apartamento dei uma última olhada no bairro paulista, da cidade das promessas de carreira fantásticas e entrei no carro do aplicativo. Naquele momento foi inevitável chorar dentro do carro. Encostei a cabeça no vidro da janela e deixei as lágrimas escorreram abundantes até o pescoço, olhando todas as nuvens visíveis no céu durante o meu caminho. O motorista me dava olhadelas pelo retrovisor.

- Está bem, senhora?

- Sim, agora um pouco melhor...

- Vamos para onde?

Era incrível. Quando se está sofrendo, esquecemos até de dizer que queremos ir embora.

- Aeroporto, me desculpe.

- Desejo felicidades na nova vida.

Ele olhava pelo retrovisor com um sorriso cúmplice, como se soubesse exatamente pelo que eu passava. Alguns estranhos captam nossa anima. Eu apenas sorri e agradeci. Mordi o polegar enquanto fazia estancar as lágrimas. O aparelho celular apitou as notificações de meus pais. Eles queriam saber que horas eu chegaria para irem me buscar no aeroporto. A lembrança da fartura da vida no campo e do bolo de milho da minha mãe me encheu de alegria momentânea. Quase podia sentir o cheiro daquele bolo e de outras comidas deliciosas que só ela sabia fazer.

São Paulo ia ficando para trás e meu peito doía por isso. Eu estava deixando os teatros, a editora, os cinemas, os restaurantes caros para trás. Mas eu retornaria. A única coisa que eu mais precisava era de calma, de aconchego familiar, de respirar ar puro e tentar voltar a escrever. Era tudo que eu queria e precisava.

Aeroportos são lugares interessantes. Tanta gente indo e vindo nunca permanecendo. O aeroporto e rodoviárias são locais de passagem e ainda assim gosto tanto deles. As pessoas vão e vêm, cheias de esperanças, esperando viver alegrias em um novo lugar, nem que seja a passeio. Os sonhos, muitas vezes, ficam presos em aeroportos, lugar de partidas e chegadas, as vezes tristes e outras muito felizes. O fato é que enquanto eu caminhava até o guichê, já quase em cima da hora do meu võo, a minha imaginação fértil olhava as pessoas e pensava em tudo que poderiam estar sentindo. Fazia isso desde muito criança, quando passei a anotar o que eu via e sentia em um diário. Ali nasceu uma escritora. Mal sabia aquela criança, que eu fui, que dependia de muita disciplina para realizar um sonho. Sonhos não se realizam sem disciplina e as vezes alguma tortura. Era verdade que eu poderia ser uma escritora a distância, de onde vivia, em Goiás. A realidade é que eu não queria ficar presa a uma fazenda, onde certamente meu talento seria ceifado pelas colheitadeiras de soja do meu pai. Eu queria mais do que uma fazenda e obtive isso mas o preço foi alto demais. Eu, Alice Oliveira, tive que abdicar de noites insones, escrevendo e esperando o marido chegar em casa, desenvolvendo uma tendinite, sem conseguir colocar no notebook tudo que minha fértil imaginação produzia diariamente. Era um sem-fim de histórias que brotavam em minha mente a cada vez que ia a rua, fazer compras e, de certa forma, aquilo era uma tortura para mim. Eu não podia escrever na velocidade das minhas ideias e tive que aprender a respeitar o tempo das coisas. O que não era nada fácil para mim.

Antes de desligar o celular ainda recebi uma ligação de Breno. Neguei. Eu sabia tudo que ele ia dizer, que sentia muito, que não ia se repetir, que me amava. Na verdade, já tinha se repetido mesmo depois de se desculpar inúmeras vezes, já tinha dito que sentia muito e que me amava dezenas de vezes depois de voltar das noitadas. Eu estava farta. Levei meses torturantes de visitas a advogados e consultas a psicólogos para ter o direito a não passar mais por aquilo. Quando finalmente consegui parar de olhar para o que tinha sido vivido de bonito e aceitar que eu vivi uma mentira, foi libertador. Ele não iria estragar aquilo de novo tentando me passar a perna. Desliguei o celular e recostei a cabeça na janela do avião, esticando minhas pernas no assento de primeira classe. Era a hora de ir embora. Era hora de deixar aquele homem com sua vida devassa para trás.

Após uma hora e trinta e cinco minutos eu chegava ao aeroporto de Goiânia. Assim que saí do avião tomei uma respiração profunda e emocionada e fui encarar meus pais. Assim que os vi, emocionados, não consegui conter minha emoção. Aqueles dois senhores de meia idade, com cinquenta e cinquenta e dois anos eram os rostos mais queridos do mundo inteiro. A mãe estava vestindo um vestido florido azul, tão linda, de cabelos pintados para disfarçar os brancos que já cresciam e o pai vestia uma camisa polo branca, bermuda jeans e calçava tênis. Eles choravam ao me ver, depois de quase cinco anos só nos vendo por câmera de aplicativos. O abraço adorado veio logo. O perfume e as vozes embargadas, sentidas pela saudade eram o que existia de melhor no mundo. Não existe lugar melhor que o lar, como dizia Dorothy*. E ela estava certa. Você pode ir a qualquer lugar no mundo, dos mais belos e ricos e nenhum deles irá substituir o cheiro da casa dos pais ou a imagem maravilhosa dos rostos dos pais.

Nós nos olhamos por muitos instantes ali abraçados. A minha mãe era uma cinquentona bonita. O rosto estava um pouco castigado da lida da fazenda, mas estava bonita como sempre foi. O meu pai, queimado do Sol do campo, também estava enrugado e envelhecido mais do que a idade pedia, entretanto o importante é que estavam ali, por mim. Sempre estariam quando eu mais precisasse e eu sabia disso.

- Fez boa viagem, filha?

- Fiz, mãe.

O seu Gerson, meu pai começou a empurrar meu carrinho de malas até o estacionamento, onde estava o carro de meus pais. Dona Alma, minha mãe nos acompanhava ainda emocionada, de mãos dadas comigo. Ela lamentava profundamente que, dos três filhos, eu fora a única a não dar certo no casamento. Eu sentia muito por ter falhado. Como em muitas outras coisas, exceto escrever romances, eu tinha fracassado. Estava acostumada a sofrer ansiedade por isso.

- Como está indo a terapia? - Perguntou minha mãe.

- Bem, mãe eu abandonei São Paulo por enquanto, mas não ia muito bem, esquece isso, eu vou estar bem aqui.

O meu pai me olhava pelo retrovisor enquanto dirigia e saía do aeroporto. Ele não era de se comunicar muito. Gerson Oliveira era um homem do campo, com aquele sotaque goiano carregado, cheio de histórias do mato e da lida com a soja. Quando eu saí de Pirenópolis, meu pai tinha nove hectares de plantio de soja e nosso vizinho, a fazenda Rancho do toco, tinha dezesseis. Eles eram bem ricos e super produtores. Minha família sempre quis atingir aquele patamar mas o vizinho sempre nos atrapalhou tentando comprar as terras do meu pai. Seu Gerson jamais venderia suas terras e isso gerou grandes brigas entre eles. As brigas cessaram quando eu estava prestes a sair de Goiás. Finalmente pareciam ter feito as pazes há dez anos quando houve queimadas. As acusações foram de ambos os lados até descobrirem um inimigo em comum que havia ateado fogo nas fazendas. Ele era um terceiro vizinho fronteiriço das duas fazendas. Houve disputas na justiça, acusações e tanta balbúrdia que o homem foi preso. Era só o que eu sabia, saí da fazenda aos dezenove anos ao conhecer o Breno.

Pirenópolis, finalmente. Eu olhava pela janela do carro do meu pai como criança que saía mais uma vez de Goiânia para a cidade interiorana olhando tudo com aquele olhar curioso. Estava tudo tão mudado. Tudo um pouco mais moderno. Então lembrei do meu carro.

- Pai, um caminhão trará meu carro. É uma pick up nova.

- Tá certo, minha filha! Ele aguenta estrada?

- É uma Toro, pai, se não aguentar, eu mando devolver.

Nós gargalhamos e conversamos muito até chegar a Pirenópolis. Ao passarmos pela fazenda Rancho do Toco, vi um homem muito bonito, sem camisa, consertando uma pick up na estrada. Eu senti o carro parar e vi meu pai descer para ir conversar com o rapaz. Não ouvi nada.

- Quem é, mãe?

- Ah o Eric, filho do Narciso, lembra dele?

- O nosso ex-inimigo? - Perguntei rindo. - Ele é o mais velho?

Eu perguntava analisando o homem de cima a baixo. Ele vestia uma calça jeans bem apertada e botas mas estava sem camisa, com um chapéu cowboy na cabeça.

- Ele é o do meio, igual você, não deve se lembrar dele.

- Não lembro mesmo. - Analisei de cima a baixo sentindo que havia algo nele que chamava minha atenção. A barba? A pele morena que brilhava de suor sob o Sol? Aquilo me pareceu tão piegas. Eu tinha olhar de escritora e já pensava coisas sobre ele.

Tomei uma decisão, não olhar mais e então me virei para a frente.

- Seu pai sempre tem que perguntar o que houve, isso me irrita.

- Já são melhores amigos?

- É, ele cuida dos cavalos que seu pai comprou há um ano.

- Cavalos? Meu pai?

- Sim, só para distração mas como não conhecia, comprou um mangalarga chucro que está dando trabalho.

- Ah sim... - Olhei as unhas - Pai adora fazer essas coisas.

O retrovisor estava bem a minha frente e então a curiosidade foi maior. Dei uma olhadela por ele para ver o homem que eu cheguei a conhecer muito pouco quando era adolescente. Em minha mente, já fazia ninho cada ideia de história sobre aquele homem que eu precisava parar imediatamente pois queria escrever algo sobre as histórias da família.

- Por que ele está cuidando do cavalo do papai?

- Ah ele fez equino... alguma coisa que não sei o nome, filha.

- Equinocultura?

- Isso mesmo! Por isso gosto da minha filha estudada.

- Ah mãe, eu fiz faculdade de Letras, não é grande coisa. Ainda tem muita chácara pobre por aqui?

Minha mãe rapidamente olhou para trás e me examinou os olhos.

- Você não me venha com essas coisas de dar aula aqui, Alice. Essa gente não vai te pagar nada.

Eu sabia que ela seria contra pois só pensavam em lucros.

- Mãe, a vida não é somente dinheiro, as vezes podemos fazer algo pelos outros.

- Eu sou totalmente contra, eles não querem aprender, são uns chucros iletrados e você é uma escritora.

Ela adorava esse status embora na cidade não valesse muita coisa mas ali, para os meus pais, eu era comparada a uma Clarice Lispector ou Jorge Amado. Mal sabiam eles que a realidade era totalmente outra e para ser um escritor de sucesso se leva uns bons anos, pessoas que estendam a mão e muito dinheiro para investir. E foi daquele jeito que conheci o Breno, o editor chefe que foi meu marido. Pensava em tudo isso quando parei de olhar para trás ao menor sinal de que meu pai voltava a nosso carro.

- Está tudo bem lá? - Perguntou minha mãe.

- Sim, ele não precisava de ajuda, esses filhos do Narciso são cheios de si, não gostam de ajuda. Então fique aí na estrada.

Girei meu tronco para olhar para trás e o homem estava me olhando, com ar curioso. Desviei o olhar e voltei a olhar para frente, pensando no quanto tinha ficado bonito aquele filho do Narciso. Eu lembrava pouco de um rapaz franzino, chatinho e meio feio mas o que eu vi naquela hora foi uma mistura de Apollo com garoto de programa e agroboy. Eu ri e meus pais olharam pelo retrovisor. Deviam me achar mais louca agora que voltei do que quando parti.

Ao chegar à fazenda, lá estava a imponente casa de dois andares, com batentes de janelas de madeira pintadas de azul sem qualquer grade. Era tão gostoso encontrar aconchego em um local longe dos perigos das grandes cidades, onde se anda com as mãos grudadas à bolsa, com medo, olhando para todos os lados. A casa era branca, com uma varanda em torno de toda a casa, assoalho de madeira e redes de gabardine feitas pela minha mãe. A sala era grande e havia baús de madeira ali, um sofá rústico de seis lugares e outro de quatro lugares, cristaleira e cortinas amarelo queimado penduradas em todas as janelas. O que mais me trouxe lágrimas aos olhos foi o cheiro de bolo de milho que circulava pela casa.

- Mãe, a senhora fez o bolo para mim?!

- Claro, anjo meu!

- Ela esqueceu o que é um bom bolo de milho da roça. - Implicou o meu pai.

A casa estava mais moderna do que quando parti. Notei, antes de entrar, uma antena via satélite para internet, o que não existia quando eu tinha dezenove anos. Aquela internet nem era cara e meu pai podia pagar por ela, aquilo ia salvar minha vida, com certeza. Ao entrar na cozinha me deparei com o fogão a lenha e um outro muito moderno. Minha mãe gostava de preservar as coisas antigas que lhe traziam lembranças de seus pais. Acredito que todos tem alguma relíquia que gosta de conservar e que lhe traga aconchego nos dias saudosos. Minha mãe andou na minha frente para pegar o bolo no forno enquanto eu me sentava à mesa.

- Seus irmãos logo vão estar aqui para te ver.

- Ah eu estou doida para ver os dois.

A madura senhora me olhou dentro dos olhos enquanto colocava o bolo sobre a mesa e hesitou um pouco antes de começar seu interrogatório.

- Filha, estou levando suas malas para seu quarto! - Gritou meu pai.

- Obrigada, pai!

- Olhe para mim, Alice... - Disse ela

Eu cortava um pedaço de bolo enquanto evitava seu olhar. Ergui a cabeça lentamente lambendo os dedos melados do bolo e sorri com tristeza.

- Diga, dona Alma.

- Está realmente feliz em ter se separado? Eu não acho isso certo.

- Mãe? Ele me traiu muitas vezes.

Eu não entendia como ela não conseguia compreender esse sentimento, afinal sentir ciúme era algo tão visceral e tão profundo. Romper com o contrato de fidelidade do casamento era algo muito sério para a maioria das mulheres. Ao longo dos anos em que soube das traições dele, comecei a questionar a própria instituição do casamento e os conceitos sobre monogamia. Nunca mais queria me entregar a algo assim tão forte novamente. Puro sexo estava ótimo para mim quando acontecesse. Eu voltaria para casa feliz e sozinha carregando toda a independência do mundo nas costas, levando comigo a sensação de que eu me bastava e de que minha solidão seria profícua para o meu trabalho e que ele era o que mais devia importar no mundo para mim. O meu trabalho. Escrever histórias, falar de pessoas, mostrar vidas, concepções de mundo. Era, a partir dali, a única coisa que importava para mim.

- Todos os homens traem, Alice. O que importa é se ele era bom para você.

Olhei nos olhos dela com um ar de deboche, sem nenhuma compreensão.

- Minha mãe, alguém que machuca seu coração e trai sua confiança pode ser bom para você? Ele podia ter me trazido uma doença.

- Seu pai fez isso inúmeras vezes e brigamos muito até eu entender que os homens não conseguem ser fiéis e se ele estiver ao meu lado numa cama de hospital então terá sido um bom marido para mim. A amizade deve vir antes de tudo, Alice.

- Pensamos muito diferente mãe, a senhora é submissa e eu não.

- Eu acho isso errado mas coma seu bolo e depois vá descansar. Pode ser que mude de opinião.

- Não vou mudar, mãe.

Ela meneou a cabeça limpando as mãos em um pano de prato e depois se retirou, sem um abraço e subiu as escadas para seu quarto, devia estar cansada de ir a Goiânia. Minha mãe era daquele jeitinho, não era de afagos. A criação dura dos pais tinha sido perpetuada por ela para seus filhos. O meu pai era um homem mais amável com os filhos, abraçava, beijava. Tinha um coração mais amolecido.

Terminava meu bolo quando ouvi o barulho de pneus no chão de terra e pensei se tratar de meu irmão chegando para me ver. Fui diretamente para a porta da cozinha de onde vinha o som e vi que não era meu irmão chegando. Aquele homem que descia da caminhonete era o mesmo que estava parado na estrada quando meu pai quis lhe ajudar, o filho do Narciso. A pessoa que se aproximou dele para falar foi meu pai e naquela distância eu não podia ouvir uma só palavra. Permaneci ali, na porta, o observando. Seu Gerson, o meu pai, apontou para a casa, explicando algo e o homem me lançou um olhar de longe. O cumprimento foi o de praxe ali das redondezas, ele segurou o chapéu pela copa e o suspendeu me lançando um sorriso tão bonito que questionei se ele era o mesmo Eric que conheci há dez anos atrás. O cabelo era castanho, curto. A barba estava por fazer. Enquanto eu descia mais o olhar podia notar a pele morena castigada do Sol, o peito com poucos pelos mas muitos músculos salientes, o abdome desenhado e por fim, meu olhar tinha que subir novamente aos olhos dele, depois de vasculhar aquela perfeição por inteiro. Ele não me olhava mais e eu agradeci por aquilo porque eu tinha devorado aquele espécime com o olhar. Quando eu finalmente fechei a boca que nem tinha notado que estava aberta, meu pai veio guiando-o até mim, certamente para um cumprimento e então percebi que estava arrumando meu cabelo para vê-lo. Talvez fosse uma coisa tipicamente feminina e tão automática que a gente sequer repara que está fazendo. O fato é que aquele belo homem estava se aproximando para me rever e eu estava impaciente que ele vencesse aquela distância entre nós que me faria ter a possibilidade de aprecia-lo mais de perto.

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