II

Eu nunca fui muito de comemorar em festas e em qualquer outra coisa que envolvesse uma galera bêbada. Ally já era alguém mais experiente do que eu nesse quesito. Também não quero dizer que jamais tinha ido a uma festa ou a uma fogueira na praia junto com o pessoal. Em Cough, nós fazíamos muito isso. Mas essas coisas não eram mais o meu estilo depois que me mudei de cidade, onde não conhecia muitas pessoas. Em Melsmont, sempre fui a garota que levava o livro na bolsa, procurava um cantinho iluminado e se esquecia de todo o resto quando, finalmente, podia mergulhar no universo contido em pequenas páginas brancas preenchidas com palavras.

Ally sempre gostou de participar de aglomerações. Para ela, quanto mais gente tivesse, melhor. Eu era totalmente o contrário. E pensando nessa lógica, eu não ficava preocupada com o meu guarda-roupa, se tinha roupas suficientemente bonitas para esse tipo de evento. E como eu não tinha nada além de moletons, vestimentas meio velhas e nada muito bom para comemorações, decidi que a melhor opção para eu parecer um pouco mais apresentável depois de tanto tempo seria usar alguma coisa de Ally.

Não demorou muito para que ela aparecesse para me buscar e nos arrumarmos juntas. Ela já estava praticamente toda arrumada: usava um vestido preto colado e todo enfeitado com brilhos que só apareciam conforme os seus movimentos.

Sorri para ela, revirando os olhos, quando a vi vindo com uma outra bolsa. Era óbvio que nela tinha algumas coisas para mim, mesmo que eu só tivesse pedido algo básico. Ally abriu seu “mini guarda-roupa portátil barra bolsa de primeiros socorros para Blaise” a fim de que eu escolhesse algo.

— Eu já te conheço, então... — Estendeu-me a bolsa. — Trouxe tudo que eu acho que combina com você e que ficaria maravilhoso nesse corpinho.

Coloquei alguns vestidos no corpo, e, por fim, acabei escolhendo um rosa-salmão, com alças finas e sem nenhum detalhe a mais. Estava ótimo assim. A peça ressaltava as minhas curvas e era um pouco curta, só que não chegava ao ponto de me deixar desconfortável.

— Você está um arraso, gata — ela disse, boquiaberta.

—  Obrigada. Gostei deste — respondi, olhando para o meu reflexo diante do longo espelho e reparando em meus cílios longos e escuros pela maquiagem.

Ally se esticou para alcançar o celular que estava em cima da colcha azul-marinho da cama, sorriu em minha direção, mordiscando o lábio inferior, e se colocou ao meu lado, esperando que eu a acompanhasse escadas abaixo.

Apesar de eu a conhecer muito bem, ainda achava engraçada a empolgação que ela esbanjava para fazer qualquer coisa que quisesse. Pelo caminho todo, Ally cantarolava e falava sobre o alívio que era poder, finalmente, sentir-se livre outra vez. Mesmo que ela sempre frequentasse festas e se encontrasse com a galera, dessa vez sabia que seria a última vez que iria a uma como a garota do câncer se tudo ocorresse como o esperado. Eu sabia disso, pois era só sobre o que ela falava quando queria se referir aos seus novos planos e estilo de vida.

Quando, enfim, chegamos à casa em que estava acontecendo a festa, Ally suspirou, ajeitando a cânula que permanecia em seu rosto, levando oxigênio aos seus pulmões.

 — Logo não irei mais precisar disso — ela disse, aliviada

—  Então vá lá, garota, e mostre seu potencial. — Ri para ela.

— Você vai ir direto para os fundos, não vai? — perguntou, rindo também.

— Vou sim — respondi enquanto descíamos do carro e seguíamos para a entrada principal da propriedade.

Ally perguntou se eu estava com meu celular e eu concordei com um balançar de cabeça. Deixei que ela partisse em meio à multidão, enquanto a única coisa que me chamava a atenção era um pequeno corredor que dava no fundo da casa, onde havia um deck de madeira que permitia a vista para o mar, no qual as ondas se quebravam a pouca distância, em direção a uma fogueira cercada por um grupo de pessoas que davam risada e se divertiam.

Eu me lembrava das vezes em que fazia parte daquela roda com Alfred, Simon e Nicole. Infelizmente, nós nos afastamos e eu não os via há anos. Às vezes nos falávamos, mas não era com frequência, o que eu estranhava um pouco, já que Simon sempre fora meu melhor amigo.

Chacoalhei a cabeça, repelindo sentimentos que nada de agradável me traziam naquele momento, além de sensações que eu não gostaria de ter novamente, como aquela em que você percebe que não faz parte de algo, mas tenta, porque sabe que, assim, a maioria das pessoas vai te aceitar, mesmo que você tenha que criar uma personalidade totalmente oposta àquela que, de fato, é a sua. Era assim que eu me sentia ali. Eu não era mais aquela garota e não poderia me forçar para voltar a ser. Tentei, por muito tempo, ser quem eu não gostaria, depois do câncer, porém aprendi a aceitar quem eu havia me tornado, pois sabia que se não fizesse isso, jamais poderia ser feliz comigo mesma.

Então, apenas relaxei a mente, fechando os olhos, com os cotovelos apoiados na madeira lisa em minha frente, tentando só aproveitar o momento. Aliás, eu não estava lá para remoer lembranças.

Aos poucos senti um calor se aproximar e, à minha direita, quando abri os olhos, vi uma figura de um cara alto parada.

 — Prefere a vista daqui de fora do que a diversão lá dentro? — perguntou-me o desconhecido, apoiando-se ao meu lado e deixando que o vento bagunçasse seu cabelo.

O cabelo dele era escuro e curto, e sua pele clara brilhava sob a luz do luar. Ele não me olhava, somente seguia a vista em nossa frente, assim como eu comecei a fazer depois de analisá-lo. Ele vestia uma camiseta branca e uma calça jeans clara. Pude notar como ele aparentava ser forte, com seus músculos tensionados em seu braço ao lado do meu, coberto por uma tatuagem que descia em linhas separadas. O que me lembrava muito um desenho de raios. Não que eu estivesse reparando demais, foi apenas um detalhe.

— Para mim, a diversão não é a mesma que para muita gente — respondi, ainda olhando para a praia.

Ele sorriu, junto, para mim, como se debochasse ou concordasse com o que eu disse. Foi difícil interpretar o que ele estava pensando a princípio, mas procurei não me importar com isso, afinal, eu nem sequer o conhecia.

—  Algumas pessoas são tão diferentes, mas, no fundo, são todas iguais... — ele dera uma resposta vaga e eu pensei no que pôde querer dizer com isso. — Mas também não sou de festas.

Segurei desajeitadamente o meu cabelo quando o frio soprou no meu rosto e, sem graça, pude notar que ele estava me olhando. Era bonito. Eu nunca o tinha visto antes, assim como quase todos os outros que também estavam ali, só que algo me chamava a atenção em seu olhar direcionado ao meu. Era como se eu o conhecesse de algum lugar, mas não soubesse de onde.

—  Então, por que veio para cá? — perguntei, rindo.

—  Ah... Às vezes faz bem curtir um pouco sozinho, olhando para o nada. — Sorriu, ficando ainda mais bonito.

—  Você está aqui, então, tecnicamente, eu não estou sozinha. E nem você.

—  Você me pegou nessa. — Percorreu seus olhos pelo meu rosto, com um sorriso no canto dos lábios.

Inclinei a cabeça na direção oposta à que ele se encontrava, dessa vez indo em direção contrária ao vento. Não estava fazendo frio, era fim de verão e o clima começara a mudar aos poucos. Nada que ainda pudesse ser um certo incômodo.

—  Desculpe se ainda não me apresentei. — Ele estendeu a mão para mim. — Pode me chamar de Ash. Asher Parker.

—  Blaise. — Correspondi ao seu gesto. — Blaise Adams.

Sua pele era quente, enquanto a minha era fria. Seu toque fez com que, por um momento, eu me sentisse mais aquecida, até que eu percebi que ainda estava segurando a sua mão. Limpei a garganta e me afastei dele com um movimento disfarçado.

—  Respondendo seriamente à sua pergunta agora — continuou ele —, estou aqui simplesmente por estar, sem mais nem menos. Mas acho que nada é por um acaso — concluiu. — E você, Blaise, o que está fazendo por aqui?

—  Bem... — Meu sorriso era fraco e meu olhar distante. — Uma amiga, que é muito importante para mim, está aqui. Achei que eu vir para cá a deixaria feliz — falei. — Simplesmente isso. — Fiz uma breve pausa. — Eu venho ficar sozinha porque gosto. Acho que é um momento que tenho comigo mesma, sem compromisso. — Dei de ombros

—  Eu entendo você. — Sorriu e olhou para cima.

Pude sentir seu braço tocando sutilmente e sem querer no meu. Nós nos entreolhamos, só que foi espontâneo, pois a intenção de nós dois, acredito eu, porque era a minha pelo menos, era fingir que nem havíamos nos importado, de alguma forma, com esse toque, que não foi nada demais. Realmente não foi.

— Então... — ele murmurou com o olhar fixo no meu. — Quer andar pela praia?

Olhei para trás, na esperança de ver Ally, mas ela parecia estar se divertindo e não achei que sentiria a minha falta. Pensei em dizer “não” para Ash a princípio, no entanto não iria perder nada se concordasse em dar uma volta. Seria só uma volta. Aliás, estávamos nos dando muito bem por enquanto, e ele demonstrava ser alguém legal. Sem contar que tinha muitas pessoas na praia. Portanto, apenas concordei e lhe permiti nos levar pelos degraus que nos entregariam ao chão de areia.

Tirei minhas sandálias e cavei os pés na areia fria que me acolhia como se eu fizesse parte dela. Ash fizera a mesma coisa, inclinando-se para pousar seus tênis em um espaço circular abaixo da ponte, onde todas as outras pessoas haviam feito a mesma coisa. Ele se virou para mim, estendendo-me a sua mão para que colocasse meus calçados no mesmo lugar.

Para ser sincera, eu não costumava muito ir à praia de Melsmont. Eram raras as vezes. Mas quando eu ia, era sempre para jogar vôlei com Alfred ou, somente, ficar caminhando.

— Você sempre morou por aqui? — Ash perguntou enquanto começávamos a andar em direção à fogueira de frente ao mar.

—  Na verdade, daqui a dois meses completarão apenas quatro anos. Antigamente, eu morava em Cough, em uma casa no campo. Bem... Nós chamamos de “casa de campo”, sendo que, na verdade, fica na praia — respondi. — E você? Mora por aqui há muito tempo?

—  Não. Para ser sincero, é bem recente — sua resposta foi breve. — Cough. — Sorriu. — É uma cidade linda e fica a seis horas daqui, não é?

—  Isso. Você já morou por lá? — questionei, curiosa.

—  Não morei, não, só estive de passagem. Mas é uma cidade muito bonita. E eu entendo o conceito de “casa de campo”. Lá é bem diferente de Melsmont.

Assenti, sentando-me na areia, ao lado dele. Meus olhos automaticamente percorreram a outra fogueira, que estava à nossa esquerda, onde se encontrava um casal. Elas estavam abraçadas, olhando para as estrelas. Pareciam tão felizes. Eu nunca havia tido aquela sensação antes. Não de verdade. Já tinha saído com alguns caras, porém nunca consegui me apaixonar de realmente por eles. Era como se sempre faltasse alguma coisa. Alguma coisa que nunca descobri o que poderia ser.

—  Algumas pessoas têm sorte de encontrar um amor — disse Ash, fazendo-me retornar para aquele momento atual e voltar meus olhos aos seus. — Você tem alguém, Blaise?

Meu peito congelou quando percebi que eu tinha meus olhos vidrados nos dele por alguns longos segundos e nem sequer o havia respondido. Era engraçado como a forma que nos olhávamos podia ser hipnotizante. Algo em Ash me atraía como se me puxasse para perto dele de uma maneira que eu não sabia explicar. E era cômico pensar dessa forma, já que eu nunca havia conversado com ele antes. Mas, mesmo assim, meu corpo queimava como se eu o conhecesse há tanto tempo, como se estivesse em total abstinência por ele.

— Não. — Dei de ombros e mudei minha atenção para o mar em nossa frente. — Eu não tenho ninguém. Acho que é porque minhas expectativas de amor são muito altas. — Suspirei, franzindo o cenho. — Você já amou, ou tem alguém?

— Sim. Eu já amei alguém, mas tem muito tempo.

— Eu sinto muito por ter que dizer isso no passado.

—  Não tem problema, Blaise. — Sorriu. — Você mora aqui com sua família?

—  Sim. Na rua 6, com minha mãe e meu irmão gêmeo. Fica apenas a alguns minutos daqui.

—  Legal. Eu moro três ruas abaixo da sua, mas sou apenas eu. — Ele soltou um riso e eu fiz o mesmo.

—  E sua família é de onde? — Eu me arrependi de lhe perguntar isso quando a sua expressão sorridente se transformou em confusão.

—  Eu só tenho um irmão, mas não mantemos um contato frequente. Também não sei por onde ele anda, está sempre em movimento.

—  Entendo. — Cruzei os tornozelos embaixo das pernas, colocando em cima do meu vestido, para eu ficar mais confortável, uma das almofadas que estavam pela areia.

Eu poderia passar horas e horas sentada na frente da fogueira, conversando com Ash na praia. Era tão fácil. E talvez tenhamos ficado tempo o suficiente falando um com o outro, pois o nosso fogo estava cedendo e quase se apagando. Eu nem havia notado. Era fim de verão, então as noites eram um pouco mais frias que o restante do dia. E só por isso prestei atenção no tempo que se passara, pois já estava sentindo a brisa mais gélida contra o meu rosto. Até que mãos frias tocaram em meus ombros e alguém me abraçou por trás.

—  Que bom que te achei — disse Ally. — Preciso ir para casa. Me desculpe por atrapalhar vocês dois. — Sussurrou em seguida. ­— Meus remédios. — Sorriu para Ash, que se apresentou para ela — Sou Ally.

—  Está tudo bem. Já ficou tarde mesmo. — Levantei-me, limpando a areia do meu vestido. — Foi um prazer conhecer você, Ash.

—  O prazer foi meu, Blaise. — Seus dentes ficaram expostos em um sorriso bonito, deixando-me um pouco sem jeito.

—  A família dela é a única Adams da cidade, caso não tenha pegado o seu número de telefone — avisou Ally, com um sorriso enorme no rosto.

—  Ela tem razão. Não tenho uma forma de fazer contato com você novamente. — Ele me olhava como quem pedisse para que eu voltasse. E eu queria muito voltar.

Ainda de frente para ele, disse meu número de telefone, dando os primeiros passos para trás a fim de fotografar mais uma imagem sua em minha mente, que vagueava com um turbilhão de pensamentos. Ele também me olhava. A única coisa que eu pensava era que eu gostaria de vê-lo outra vez.

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