Valentim
Se tem uma coisa que eu aprendi a entender com o tempo era, nunca, em hipótese alguma, questionar uma mulher sobre o tempo que ela irá gastar se arrumando. Por isso, quando Isa me mandou uma mensagem avisando que eu poderia chegar mais tarde, já que elas iriam atrasar, nem me dei ao trabalho de questionar. Só mandei um "ok" e esperei que isso fosse suficiente para não parecer alheio demais, embora já tivesse minhas dúvidas muito antes de clicar para enviar.Por isso, eu me encontrava sentado sobre minha cama macia, me perguntando quanto tempo ainda eu teria que esperar. Dez, vinte, trinta minutos? Talvez mais, talvez menos. Eu não tinha certeza de nada, e isso começava a tirar minha paciência recém adquirida, mesmo que eu tenha a recuperado só após um delicioso banho.Não queria ter que tomar outro para reavê-la novamente.Suspirando, me ergui da cama e olhei para meu quarto. Não era um lugar muito decorado, apenas mantinha-se combinandoLauraTudo era uma questão de interpretação. Essas palavras resumiam muito bem o que qualquer um pensou assim que me viu pisar na boate mais frequentada da Rocinha junto de Valentim, Isabel, Emily e Marcelo. Quem olhasse, podia apenas imaginar que éramos amigos de longa data, conversando e se divertindo como se nada demais estivesse acontecendo por trás dos panos, onde, na realidade, tudo era muito mais complicado do que aparentava ser, por mais infeliz que essa realidade me fizesse ficar.Suspirei, o mais discreta possível. Com meus olhos atentos, tentei procurar por rostos conhecidos em meio às pessoas — principalmente o de Lopes — mas não vi ninguém que merecesse minha atenção. Eram só estranhos, que, hora ou outra, tentavam se aproximar para jogar uma conversa fora, com palavras mais vazias do que qualquer outra que eu já tivesse dito antes — ou quase isso.Balancei minha cabeça, focando minha atenção em só continuar andando. Querendo ou não, isso era
LauraAssim que pisamos na pista de dança, todos se voltaram para nós, deixando meu ego ainda mais inflado do que ele já era. Sorri, passando minhas mãos pelos ombros de Valentim, entrando assim no ritmo da música, que agora não passava de apenas uma batida muito envolvente aos nossos ouvidos.Ele sorriu para mim, um sorriso de lado, safado e muito atraente. Não sei se estava me desafiando com aquele olhar intenso, mas senti até que tentava me induzir a cair de cabeça na dança, por mais diferente que fosse do que eu havia me acostumado nos seis últimos anos. E eu, como nunca rejeitava um bom desafio, comecei a seguir os passos que conhecia — ora rebolando, ora dançando colado a ele. Vez ou outra, mexia em meus cabelos, os jogando de um jeito que sempre capturava o olhar intenso de Valentim para mim, e isso me fazia lembrar da última vez que o tive tão perto e quase acabei jogando a promessa com minha mãe fora.Estar ali, colada a ele, era perigos
LauraBalancei minha cabeça, erguendo meus olhos para encarar um Valentim tão afetado quanto eu. Percebi naquele momento que, como da última vez, nós dois não podíamos ficar no mesmo lugar — sozinhos — ao mesmo tempo. Era um perigo, tanto para minha sanidade quanto para a dele. Por isso, não hesitei em dar alguns passos para trás, com uma ideia tomando controle de minha mente tão rápido quanto a duração do nosso beijo doce e proibido.— Eu preciso de um ar — murmurei, me afastando ainda mais dele. Sem esperar uma resposta, me virei e corri rumo a saída, embora não soubesse se estava mesmo indo na direção certa.As pessoas com quem eu me esbarrava resmungavam, ora xingando ou pedindo por mais cuidado. Em nenhum momento, cogitei pedir desculpas. Não tinha tempo para isso; eu realmente precisava fugir daquilo tudo que estava preso dentro de mim e ousava querer sair.Na verdade, eu só precisava de um motivo para fugir dali, e nunca tivera que ser muit
Valentim Eu estava inerte, sem saber o que pensar sobre o beijo que eu e Laura havíamos acabado de dar. Não era algo tão simples quanto eu gostaria, muito menos tinha sido algo planejado; fora um beijo natural, que eu nem sabia estar tão ávido para ter desde a última vez. O que tinha de errado comigo? Eu não deveria me sentir de tal forma, principalmente se considerasse onde e como tudo ocorreu. Não soava estranho? Um homem como eu, forte e descido, estava se deixando levar por uma garota mais nova, ainda por cima minha inimiga, que parecia a própria reencarnação do pecado, de tão inebriante que era. O mais engraçado nisso tudo, talvez, fosse a aceleração do meu coração, que batia de um jeito descontrolado desde o momento que a vi correr para bem longe de mim. Admito que eu queria persegui-la e repetir o beijo mais uma vez, apenas para ter certeza que não estava apenas delirando. Ele havia sido tão bom quanto as sensações ainda presente em meu corpo? Ou só foram coisas das minh
Valentim Rapidamente, me despedi dos homens que estavam ali, dizendo para que eles fizessem o que queriam em relação a tal festa, uma vez que não havia como negar esse desejo deles. Logo, caminhei até chegar em um lugar menos barulhento ainda do que o anterior em que eu me encontrava, e finalmente prestei atenção na voz que falava algo desconexo do outro lado. Por um segundo, senti que algo estava muito errado. Um mal pressentimento dominava meu peito, e isso não era nada tranquilizador. — O que foi? — falei no telefone, atraindo a atenção de quem quer que estivesse do outro lado da linha. — Sou eu, sua irmã amada — Isabel disse, sem perder a chance de me provocar. No entanto, logo percebi, havia algo de errado em seu tom de voz que me fez tremer. O que poderia ter acontecido? — Hahaha, engraçadinha — murmurei, tentando adiar a pergunta ao máximo. Depois de uns segundos de silêncio, suspirei. — Certo, você não me ligou por um motivo qualquer, né? Então, pode ir falando. Eu já es
Laura Se alguém me dissesse que um plano arquitetado em um momento de pressa e desespero poderia dar certo, talvez, antes de voltar para o Rio de Janeiro, eu poderia até tentar acreditar. Não, não era isso. Eu provavelmente riria e diria que a pessoa em questão está louca, não batendo muito bem da cabeça ou sofrendo de algum mal onde a esperança era a única força a se agarrar. Mas, agora, a resposta para isso era para mim até que óbvia, se parasse para analisar as coisas, ou poderia ser considerada o oposto do meu modo de pensar de antes. Eu achava, sim, que era possível, e a prova disso era a mulher à minha frente, com um sorriso de lado e uma expressão zombeteira que me fazia querer matá-la, mesmo sem poder. — Eu não acredito — murmurei, irritada demais para falar qualquer outra coisa. A mulher riu alto, e me senti como uma tola por um segundo. — Mas deveria — ela disse, erguendo-se do seu lugar para desatar os nós da co
LauraEu não sabia onde eu estava. Por mais que olhasse ao redor, tudo estava banhado pela escuridão da noite, tirando uma única janelinha, bem lá no topo da pequena sala onde eu me encontrava amordaçada, que servia de consolo para mim dada a minha situação.Quem havia ousado me sequestrar e o que fariam comigo? Essas duas perguntas ressoavam em meu interior, deixando meu estômago embrulhado. Poderia ser tanta coisa, considerando quem eu era e o quão preciosa minha vida poderia ser, que tentei pensar de um jeito positivo por um segundo.Talvez eles caíssem na real e me devolvesse inteira. Ou talvez não.Balançando minha cabeça de um lado para o outro, tentei não pensar nisso. Querendo ou não, era a minha vida que estava em risco naquele lugar, e se eu tivesse que fazer alguma coisa para fugir dali, não era tentando achar os culpados ou o porquê que eu conseguiria.Suspirei, tentando ficar de pé no cubículo. Aquele quarto não possuía mais
Valentim Já era a quinta noite após o sequestro de Laura — ou seja, quarta-feira — quando finalmente consegui uma pista sobre o paradeiro dela. Não era algo grande, apenas uma denuncia anônima feita para a polícia, que dizia ter visto vários homens armados entrando em uma casa velha junto de uma mulher, o que, quando se tratava da realidade que muitos aqui no morro viviam diariamente, não era algo tão raro assim. Mas, mesmo assim, não pude deixar isso passar. Reuni todos os meus homens e fui para o local assim que foi possível, desejando imensamente que Laura estivesse lá, sã e salva. O pensamento me fez balançar minha cabeça, curioso e perplexo sobre até onde eu queria chegar com isso tudo. É claro que eu queria ver Laura a salvo, mas o motivo para isso ainda me era desconhecido. Seria somente por causa da minha irmã e Emily, que esses dias, diante do sequestro de Laura, estavam arrasadas? Ou, talvez, fora pela ameaça que o tal