Deslize
Deslize
Por: Paula Albertão
Betina

                O céu estava cheio de nuvens, um vento frio cortava a noite e tudo o que eu pensava era como era um péssimo dia para uma festa do pijama de aniversário.

                Por que é que eu estava encolhida dentro de um moletom e andando até a casa de uma garota que era completamente indiferente comigo? Será que realmente eu estava desesperada para me juntar à galera?

                A ideia me fez bufar e apertar o passo. Já que eu estava mais perto de chegar do que da minha casa, não fazia sentido voltar. Virei a esquina e vi o sobrado iluminado contra o céu escuro. Jamais imaginaria que era uma casa tão grande, mesmo sabendo que Luisa era uma garota rica.

                Toquei a campainha enquanto ouvia o som de uma música e vozes de meninas rindo do lado de dentro. Durante alguns minutos cogitei ir embora, mas então a porta se abriu e Luisa colocou o rosto para fora.

                Aparentemente o frio era só para mim, pois ela usava um pijama curto e de um tom rosa intenso, estava com os pés descalços e com as bochechas coradas no rosto que ainda mostrava uma sombra da risada que estava dando antes de vir me atender.

                - Nossa! – ela exclamou levando a mão, com as unhas incrivelmente grandes, ao peito – Que susto! Faz tempo que você está aí?

                - Alguns minutos. – respondi me sentindo uma completa idiota.

                - Entra. – ela sorriu, me abrindo passagem – Pensei que ninguém mais ia chegar. A festa está rolando já tem umas duas horas.

                - Desculpa. – falei observando a sala muito bem mobiliada – Eu devia ter ligado. – não sei como, pois não tinha o telefone dela e nem de nenhuma de suas amigas mais próximas.

                - Não se preocupe com isso, garota. Vem. – ela me chamou para uma escada que levava ao segundo andar.

                O som de risadas foi aumentando gradualmente, degrau a degrau, e a cada momento eu me sentia ainda mais desencaixada daquele ambiente.

                No andar de cima, ela entrou na primeira porta à esquerda, e eu observei que havia apenas uma outra porta entreaberta no fim do corredor, com a luz iluminando o ambiente, enquanto todas as outras estavam fechadas.

                Mas me apressei a seguir Luisa para dentro da festa, que era o que eu tinha ido fazer ali, afinal, e afundei minha curiosidade o mais fundo possível.

                - Olha quem eu achei! – ela disse num tom excessivamente animado enquanto pegava uma garrafa de bebida. Agora eu entendia o motivo de tanto barulho. - Feliz dezoito anos, Luisa! – exclamou para si mesma.

                As outras quatro garotas, todas parecendo cópias de Luisa, soltaram gritinhos e ergueram seus copos num brinde à aniversariante, coisa que já deveriam ter feito inúmeras vezes naquela noite.

                Sorri em resposta e acenei brevemente, já que eu estava sem um copo, e ridiculamente deslocada daquelas garotas com meu conjunto de moletom cinza. O que é que eu vim fazer aqui?

                Na hora seguinte elas beberam uma quantia incrível de bebidas e eu fingi que bebia do copo que me passaram minutos depois, quando notaram minhas mãos vazias. A conversa seguia rumos que não me interessavam e pouco participei, de maneira educada, quando alguém lembrava de me incluir.

                Estavam alteradas demais para serem plenamente educadas com a convidada estranha e deslocada, e me senti grata por isso, ainda sem saber porque eu tinha decidido ir até ali. Acho que pode ter sido pelo clima de nostalgia que se apodera de todos quando se encerra o ensino médio e todo mundo parece um amigo prestes a se perder. Só que não havia nada para se perder dentro daquele quarto porque eu nunca tinha sido amiga daquelas cinco garotas.

                Quando levantei para procurar um banheiro, nem me dei ao trabalho de pedir. Elas estavam rolando pela cama enorme, rindo e falando sobre pessoas e situações que eu não conhecia.

                Fechei a porta suavemente atrás de mim, e novamente prestei atenção na porta entreaberta no fim do corredor. Comecei a andar silenciosamente, deixando que a curiosidade tomasse conta, e ao mesmo tempo me sentindo ridícula por aquela atitude. Provavelmente eu seria repreendida pelos pais de Luisa, mas como eu poderia alegar que estava apenas procurando o banheiro, prossegui me apegando nisso e deixando o resto de lado.

                Cheguei bem perto e me posicionei de forma que apenas um olho meu tivesse acesso para dentro do ambiente. A princípio não vi nada além da parede e um tapete peludo no chão, então girei o corpo procurando por um ângulo melhor e vi um homem sentado de costas para mim, no chão.

                Sua cabeça estava baixa, e tudo que ficava à mostra eram as costas nuas com todos os músculos marcados e o cabelo cortado curto na nuca. Minha boca ficou seca e desejei ter uma visão melhor. Quem era esse cara?

                Com a mão empurrei suavemente a porta para que se abrisse um pouco mais, que mal poderia haver? Ele parecia mesmo estar prestando atenção em alguma coisa e nem ia perceber a porta... rangendo miseravelmente.

                No mesmo instante ele virou o tronco na minha direção, apoiando uma das mãos no chão, e eu fiquei completamente atrapalhada e envergonhada por ter sido pega no flagra. Dei dois passos atrapalhados para trás, desviando o olhar imediatamente.

                - Ei. – escutei a voz dele dentro do quarto enquanto eu me dirigia para a primeira porta que alcancei. Felizmente o banheiro.

                Nunca mais eu iria sair daquele banheiro. Sentei no vaso sanitário sentindo meu rosto quente de vergonha. Eu devia mesmo estar muito louca. Coloquei o rosto nas mãos com um gemido. Essa, com certeza, era hora de abortar a missão da festa do pijama, correr para casa me enfiar no quarto e torcer para Luisa e suas amigas estarem muito bêbadas para lembrar que eu tinha aparecido naquela noite.

                Quantos minutos seriam necessários ficar ali para ser seguro correr para a escada e sumir dali? Na dúvida passei cerca de quinze minutos sentada em silêncio, atenta a qualquer som que viesse de fora do banheiro, e o único que chegava aos meus ouvidos era o das meninas no outro quarto. Respirei fundo e resolvi abrir a porta lentamente.

                - Oi. – o som da voz me fez dar um pulo. A vontade era de pular para dentro do banheiro de novo, mas ele surgiu no vão da porta e apoiou uma das mãos no batente.

                - Desculpa. – gaguejei encarando seus olhos castanhos.

                - Tudo bem. – ele sorriu e uma covinha surgiu do lado direito, no rosto com a barba por fazer. – Qual seu nome?

                - Betina. – meus olhos desceram para seu peito nu, mas me forcei a voltar o olhar para seu rosto.

                - Você é amiga da minha irmã? – ele perguntou abaixando o braço.

                - Amiga é uma palavra forte. – dei um meio sorriso.

                - Entendo. – seu olhar passeou pelo meu corpo – Achei mesmo que você não combinava com o grupinho descontrolado que está ali. – abaixei a cabeça desconfortável – Não me leve a mal. – ele se apressou em falar – Não me dou muito bem com esse grupinho.

                - E seu nome? – perguntei erguendo o queixo.

                - Benicio. – seus olhos eram sérios no meu, quase hipnotizantes.

                - Certo. – disse desviando o olhar e me esquivando dele para sair do banheiro – Preciso ir. - andei a passos rápidos para a escada, mas Benicio veio andando atrás de mim.

                - Espera, Betina. – ele disse baixo – Espera. – segurou meu braço diante da minha atitude de ignorá-lo completamente. Virei para olhá-lo, tentando ignorar completamente aquela mão quente por cima do meu moletom. – É tarde. Deixa eu te acompanhar.

                Abri a boca para responder, mas ele já estava no quarto vestindo uma camiseta preta. Não me impedi de observar seus braços e costas, os músculos se movendo, o jeito que ele andava e como vestiu um moletom aberto por cima da camiseta. Que cara hipnotizante!

                - Vamos. – ele disse voltando e apoiando uma mão nas minhas costas para me incentivar.

                Desci a escada sentindo meu estômago estranhamente agitado, mas o vento gelado da rua ajudou a clarear os pensamentos, então, por alguns minutos apenas andamos lentamente lado a lado com uma distância respeitável entre nós.

                Não havia ninguém em lugar nenhum e me senti grata por ter ele do meu lado, embora fosse um completo estranho, para me fazer sentir protegida.

                - Betina – ele quebrou o silêncio –, se não é amiga da minha irmã, o que veio fazer aqui? – sua voz não tinha nenhum tom de acusação, apenas curiosidade.

                - Não sei. – suspirei, aquela era a grande questão da noite – Acho que é a nostalgia do fim do ensino médio. Logo estaremos todos formados e provavelmente nunca mais nos veremos. Ela nunca foi chata comigo ou algo de tipo, então não vi porque não vir. – ri baixinho – Mas fiquei completamente deslocada, confesso.

                - Me espiar foi passatempo? – ele foi completamente direto.

                - Não, eu... eu... – comecei a gaguejar sentindo o rosto esquentar.

                - Relaxa. – ele gargalhou – Era brincadeira.

                Chegamos em uma pequena praça e, sem nenhum aviso, Benicio sentou num banco. Sem questionar ou pensar sobre o assunto, sentei ao seu lado. Não sentia mais vontade de ir para casa, estava presa naquela sensação de querer que a noite ficasse pausada e nunca mais acabasse desde que começamos a andar juntos.

                - Não sabia que a Luisa tinha um irmão. – falei colocando as mãos nos bolsos. Ainda queria que ele não achasse que eu estava espiando, por mais que eu estivesse.

                - Meio irmão na verdade. – me corrigiu passando uma mão pela nuca – Mesma mãe e pais diferentes. – esclareceu – Nem sempre eu estou por aqui. – virou o rosto para mim – Quantos anos você tem?

                - Fiz dezoito mês passado. – respondi, levemente surpresa pela mudança de assunto – E você?

                - Vinte e cinco. – seus olhos ainda estavam focados em mim, mal parecendo piscar – Dezoito, é? – balancei a cabeça concordando – Então não é ilegal se eu fizer isso? – ele colocou uma mão no meu rosto fazendo meu coração bater acelerado – Nem isso? – aproximou seu rosto do meu e nossos narizes se tocaram. Fui incapaz de responder qualquer coisa. – Me responde, Betina. – ele insistiu passando a língua pelos lábios. Fiz que não com a cabeça. – E você também quer? – minha respiração se acelerou – Me diz. – ele sussurrou fechando os olhos.

                - Quero. – sussurrei de volta.

                Seus lábios tocaram os meus com pressa e vontade. Era um beijo forte e gentil ao mesmo tempo, e senti meu corpo todo amolecer de desejo, fazendo o frio desaparecer em um instante só.

                Minhas mãos entraram por debaixo do moletom e da camiseta e senti todos os músculos das costas dele quentes. Ousando um pouco mais do que eu faria normalmente, levei uma mão até o peito e desci suavemente pela barriga.

                - Nossa. – ele disse se afastando e levantando de um pulo. Me levantei também, vendo no rosto dele o reflexo dos meus desejos. – Venha. – pediu me estendendo a mão, quase como uma ordem.

                De mãos dadas atravessamos a praça até uma rua sem saída completamente escura. Eu o segui sem hesitar por nenhum momento, tudo parecia um sonho acontecendo. Eu me sentia incomumente alerta, com todo meu corpo vibrando, quente e levemente trêmulo.

                Benicio me encostou na parede e ficou parado na minha frente. Não conseguia mais ver seu rosto e saber se ele me desejava como eu estava desejando-o naquele momento, mas assim que seu corpo colou ao meu de uma vez, soltei um pequeno gemido.

                Podia sentir cada parte dele me tocando e com certeza ele estava se sentindo exatamente como eu, porque havia pressa em cada toque. Segurei seu rosto e o beijei novamente, ainda com mais vontade do que antes, esquecendo que estávamos numa rua pública.

                Ele me ergueu e passei as pernas por seu quadril. O tempo passou e eu estava completamente perdida naqueles lábios e naquele corpo forte e quente, querendo mais e mais.

                - Betina... – ele sussurrou afastando seu rosto – Precisamos parar, eu... – beijei o pescoço dele e ele gemeu – É sério, eu... – foi me soltando lentamente até que meus pés tocassem o chão – Preciso me controlar. - percebi que ele passava a mão pelo rosto.

                - E se você não se controlar? – sugeri mordendo o lábio, sem nenhuma vontade de parar por ali.

                - Não é uma opção. – percebi que ele sorria apenas pelo som de sua voz – Estamos na rua.

                - Certo. – concordei balançando a cabeça – Você tem razão.

                Benicio segurou minha mão e saímos andando. Quando as luzes da rua nos iluminaram, me senti completamente envergonhada. Meu rosto certamente estava com as bochechas vermelhas, mas o olhar dele brilhava de empolgação e havia uma pequena camada de suor na testa.

                Meu Deus, que noite completamente maluca. Primeiro uma festa terrível, e depois me agarrar com um cara sete anos mais velho e que eu nunca tinha visto na vida.

                Automaticamente seguimos em direção a minha casa em completo silêncio, nós dois absortos em pensamentos sobre o que tinha acontecido. Eu ainda sentia o calor, e a cada lembrança dos toques dos seus dedos, uma trilha de arrepios percorria meu corpo.

                Soltei a mão dele quando chegamos na frente da casa, voltando-as para os bolsos do moletom, mesmo sabendo que ninguém veria. Ele não me questionou e fez o mesmo, acrescentando uma leve distância entre nossos corpos.

                Nos olhamos nos olhos por um momento.

                - Melhor eu entrar. – falei, desejando que ele me beijasse mais uma vez.

                - Tem razão. –  Benicio respondeu apenas, olhando para os pés.

                - Boa noite, então. – falei depois de alguns segundos quando percebi que o beijo não viria.

                Dei as costas e me dirigi para a porta sem olhar para trás.

                - Boa noite. –  escutei após alguns instantes.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >
capítulo anteriorpróximo capítulo

Capítulos relacionados

Último capítulo