Segredos

Fiz que sim e voltei para continuar a escutar o que era falado na sala,porém,um silêncio total tomava de conta do lugar. Espichei um pouco o pescoço para ver algo e encontrei a sala vazia. Rapidamente puxei o braço de Ágata para darmos o fora dali e chegarmos em casa antes de Soraya,sem levantar suspeitas. A desgraçada é muito pior do que imaginava,é uma interesseira que veio à procura de raspar tudo o que pertencia a sua irmã que certamente odiava. Agora me pergunto se essa mulher também não era uma golpista fria e calculista como Soraya,mas,pelo que pude ouvir,ela era muito pior e mais ardilosa que nossa madrasta. Ela deixou suas filhas e seu marido por dinheiro sujo,deixando duas migalhas para nós duas,filtradas pelo seu trabalho desonesto e que,por consequência,caso seja a tal chave que aquelas pessoas procuram,podem colocar nossas vidas em perigo. Eu odeio mais ainda aquela mulher,espero que pague pelos seus pecados no inferno,meus sentimentos seriam insignificantes a pessoas como ela.

Entramos em casa pelo quintal através do caminho que cortamos por becos e muros de casas vizinhas,corremos pro quarto e nos trancamos. Alcancei a janela e espiei o movimento da rua,encontrando facilmente dois carros pretos estacionados de forma suspeita na nossa rua com ângulos ótimos da porta da nossa residência. Escutei Aga revirando a gaveta com nossos presentes e os tomei com pressa de suas mãos.

— O que está fazendo?!

Ignorei ela e parti até o banheiro do nosso quarto e levantei a tampa do vaso sanitário com o intuito de dar descarga neles,minha irmã os tomou de mim e escapou de minhas mãos,me chamando de louca e fazendo birra.

— Me dê isso,Ágata,agora mesmo! — ordenei. — Essas pedras serão a desgraça de nossas vidas!

— Você não entende? É um presente e a única lembrança que temos de nossa mãe.

Revirei os olhos e bufei.

— De uma mãe criminosa — lembrei. — Isso pode valer a nossa vida,Ágata!

Ela se recusou a me entregar,então parti ao ataque para tomar à força e minha irmã dificultou bravamente,me chutando e puxando meus cabelos. Revidei. Começamos a nos bater nas coisas do quarto enquanto nos debatemos,as pedras caíram de nossas mãos e bateram no chão,mas continuamos brigando. Papai chegou em casa e escutou nossos gritos,logo ele estava encarando nós duas sentadas no sofá uma do lado da outra. Soraya se aproxima com um avental vindo da cozinha,analisando a situação.

O que ela está tramando?

— Vocês nunca tinham brigado dessa forma,meninas — disse papai. — O que está acontecendo?

Olhei para Soraya.

— Primeiro manda essa mulher sair da sala — pedi.

Papai me reprovou com o olhar,mas Ágata pediu o mesmo,de um modo mais dócil,e ele fez o favor de direcionar aquele olhar para sua esposa sonsa,que entendeu o recado e se retirou.

— O que está acontecendo? — ele perguntou.

Tomei a dianteira e disse:

— Soraya é uma golpista e está tramando algo,papai. Temos de fugir depressa dessa casa.

Ele franziu o cenho.

— O quê?

— Ela é irmã da nossa mãe… — Aga disse,chorosa. — Ela quer acabar com a nossa família,papai. Numa espécie de vingança.

Sei que tudo o que estávamos contando para nosso pai,visto de longe,parecia algo fora do contexto,da realidade. Francamente,todo o enredo em si seria muito bem composto em um filme de ação. Mas nosso pai precisa acreditar. É tudo o que temos que está em jogo…

Escutamos fungos vindos da cozinha e erguemos o olhar. Era Soraya montando seu teatro de vítima que sofria com as suas enteadas,mas sabemos muito bem quem é a pilantra de todas nós. E como esperava,papai ficou do lado daquela megera e ainda nos colocou de castigo,trancadas no quarto. Aquela noite Aga chorou tanto… Nós choramos. Ele não acreditou em uma só palavra do que dissemos,e ainda falou que tínhamos a imaginação muito fértil. Simplesmente odeio esse nosso pai que não liga para as próprias filhas e prefere acreditar na mulherzinha que mal conhece,a m*****a desgraçada que encontrou no meio da rua,fingindo estar sem gasolina e pediu carona,só para fisgar meu pai com a visão do seu decote extravagante. Também odeio os homens,eles mudam completamente quando veem um belo par de seios. Enxugo as lágrimas com as costas das mãos e me levanto do chão. O quarto está escuro e a casa silenciosa,minha irmã ainda grunhe enquanto dorme debaixo das cobertas. Me sento na beira da cama e olho para ela,parece que temos nesse mundo horrível somente uma a outra.

— Seremos sempre eu e você — disse,alisando suas pernas trêmulas debaixo da coberta. — Começo,meio e fim… Ágata.

Choro.

Uma luz escarlate toma o meu rosto e sigo o feixe que reflete da pedra de rubi debaixo da cômoda,engatinho até as duas pedras,esmeralda e rubi,e as pego. O que será que significam? Por que justamente essas duas?

Aga se remexe nos lençóis e desperta,coçando os olhos e soltando um bocejo,depois me encontra encarando as duas pedras encostada na nossa cômoda.

— O que faz aí,Sofi? — ela pergunta. No entanto,de repente,escutamos uma barulheira no andar debaixo e vidros sendo estilhaçados,em seguida,escutamos o disparo de uma arma. Corri até Ágata e nos abraçamos debaixo dos lençóis. — Serão ladrões,Sofia?

Faço que não sei e encaro a porta,mas no fundo sei exatamente do que se trata,nós duas sabemos.Escondemos as pedras por dentro de nossos pijamas.

Como um estrondo de trovão,dois homens grandes e vestidos de calças e camisas com mangas longas e capuzes,pretas,socam nossa porta com os dois pés,arrebentando-a. Gritamos apavoradas enquanto nos alcançam e nos arrastam para fora do quarto. Descemos as escadas e no chão,esparramado em uma poça macabra,vemos sangue,muito sangue. É vermelho. Vermelho. Vermelho é tudo o que vejo agora. Minha garganta se fecha em um nó agonizante e desesperado. De quem seria aquele sangue? A resposta surge em seguida na imagem de meu pai amordaçado e amarrado na sua cadeira preferida importada da China,a preferida de minha mãe,costumava ele dizer.

Faço força para me soltar e abraçar o meu pai,mas um forte tapa em meu rosto me faz parar. Era Soraya,toda de vermelho,sapatos,vestido,brincos… Tudo nela é vermelho.

— Eu avisei,não avisei? — Ela ri enquanto caminha até o meu pai com os olhos desesperados ao nosso encontro,a mulher inclina sua cabeça inerte para seu ângulo visual e retira a mordaça. Continuo a clamar por socorro e por papai. Ágata chora inconsolavelmente ao meu lado,presa pelos capangas de Soraya. — Olá,querido. Como foi o dia?

Risadas ecoam pela sala.

— Deixe minhas meninas em paz,Soraya! Por favor,eu imploro — papai choramingou. — Elas não merecem pagar pelos erros da mãe!

Insisto em me soltar,mas o capanga aperta o meu braço.

Soraya leva seu dedo até os lábios de papai e pede silêncio,enquanto sorri,olhando para mim e minha irmã.

— As gêmeas Martins… Não passam de lixo. — Ela está atrás de nosso pai agora e retira uma arma da abertura na perna de seu vestido devasso,presa a uma liga da sua meia-calça de renda. Ela aponta para mim. — Sofia Martins… Você tem o gênio dela. Você é uma cópia autenticada daquela m*****a,por isso sempre a odiei mais. — Ela começa a gargalhar e depois mira para Ágata,que só sabe chorar e implorar. — Ágata Martins,você é doce,tem o gênio do seu pai,algo que o fazia tão atrativo para mim e todas as mulheres que o conheciam.

Ágata fungou,e disse:

— Por favor,nos deixe em paz… Eu te entrego,eu te entrego minha esmeralda. Faça o que quiser com ela. Só nos deixe ir…

Soraya gargalhou novamente.

— Você é tão patética,garota. — Ouço o estalo da arma,estava sendo engatilhada para minha irmã. — Ninguém vai sair vivo daqui hoje.

Olhei para Ágata.

Tremi.

Não quero perder minha irmã diante de meus olhos. Rapidamente mordi as mãos que me prendiam e corri até Aga,ficando do seu lado,seus olhos brilharam pelas lágrimas,e o meu coração acelerou nas batidas. Sempre fomos nós,eu e ela,sempre unidas,sempre juntas. Começo,meio e fim.

O capanga que a segurava agarrou meu pescoço e o dela,apertando-os,nos deixando quase sem ar. Assisti o pavor passar pelos olhos de papai e ouvi seus gritos desesperados. Chorei. Soraya o esbofeteou e mandou-o ficar quieto,chorei ainda mais quando ela ordenou que o capanga que me prendia antes,enchesse seu rosto de socos,espirrando sangue para todos os lados: na parede,no chão,em mim,minha irmã,em Soraya.

Disse para Aga fechar os olhos quando Soraya engatilhou a arma mais uma vez e apontou na cabeça do papai. Minha irmã começou a gritar em puro desespero. Eu também estava. Será que ninguém podia ouvir nossos gritos?

Soraya olhou para mim mais uma vez e se deleitou com meu semblante em ruína. Ela desviou os olhos desgraçados para papai novamente e o encarou,dizendo para ele proferir suas últimas palavras. Nesse momento eu e minha irmã enlouquecemos e o capanga nos pressionou com mais força e agressividade. Ficamos zonzas. Papai,com os olhos transbordando cheios de dor,nos olhou pela derradeira vez,e articulou com a boca um: começo,meio e fim. Era o nosso jeito familiar de dizermos para a pessoa que a amaremos para sempre.

O outro capanga abriu a boca do papai e me fez assistir uma das piores cenas que uma garota de doze anos pudesse presenciar. O cano da arma entrou na boca do nosso pai e Soraya segurou firme no gatilho. Vi uma última lágrima escorrer dos olhos dele antes de ouvir o primeiro disparo. Mais espirros de sangue. Gritos de minha irmã. Gritos meus. Papai faleceu à nossa frente,diante de nossos olhos. Soraya continuou a disparar. Uma,duas,três,quatro,cinco,seis,sete,oito,nove,dez vezes.

Seu corpo todo perfurado de balas caiu sem vida aos seus pés quando empurrou a cadeira importada da China.

Estava perdido.

Perdi meu pai.

Perdi o único dos meus pais que ainda era capaz de sentir algo por mim.

Uma dor absurda cravou o meu peito e meus olhos se esmagaram de tanto fechá-los. Naquele momento,eu também queria morrer para toda aquela dor acabar. Mas então escutei os gritos de minha irmã enquanto Soraya a arrastava pelos cabelos para fora de casa,e logo mais eu também estava. Vários carros pretos com uma simbologia em “S” cercavam minha casa,as luzes da vizinhança estavam apagadas,e logo mais avistei o amante de Soraya sorrindo como um louco sustentando uma pistola prateada,saindo de um dos carros com um homem de terno preto e uma máscara.

Soraya cessou os passos diante do magnata e imediatamente o relacionei ao tal chefe de toda aquela organização.

Ele olhou para Aga em completo transtorno após a cena que assistimos,seus olhos claros passaram dela para mim,e com as mãos pediu para que o capanga me trouxesse para perto. Fechei a minha cara e rosnei os dentes. O capanga me jogou para os braços do homem e o odiei ainda mais. Ele apertou o meu queixo e me estudou.

— Você é a cara de sua mãe — disse o desgraçado com seu sotaque de estrangeiro. — A mesma crueldade que exalava dela,exala em você. Tal mãe,tal filha.

Senti tanto ódio naquele momento que fiquei nas pontas dos pés e cuspi na cara daquele ordinário. Os capangas voltaram a me segurar e Soraya olhou horrorizada para mim. Eu não ligo. Odeio todos. Todos são culpados por essa tragédia.

— Eu odeio todos vocês! — gritei. — Socorro! Alguém,por favor!

O chefão riu de mim como uma boa piada.

— Não seja tolinha,pequena criança. — Encarei-o. — Seus vizinhos foram comprados por boas notas de dólares para ignorarem a festinha intensa na família Martins.

Risadas ecoaram.

Fechei os punhos. Me senti tão impotente,tão fraca,tão inútil…

Aga começou a chorar novamente e,mesmo com relutância para não fraquejar,também chorei.

Soraya continuou sorrindo e tomou nossa visão,olhando nossos olhos vermelhos por tantas lágrimas. Como pode essa mulher ser nossa tia e nos causar tanto sofrimento?

— Agora me deem as pedras — ordenou.

Dessa vez foi a minha hora de rir.

— Dei descarga nas malditas — disse,triunfante. O chefe esbugalhou os olhos e Soraya fingiu desinteresse. — Vá vasculhar a fossa,Soraya. Porque lá é o seu lugar.

Outro tapa.

— Deixe de história,pirralha. Cadê o seu coração de rubi?

Cuspi o sangue que preenchia em minha saliva e voltei a mirar os olhos daquela desgraçada.

— Eu não tenho mais um coração,graças a você. E,um dia,em breve,garantirei que você não tenha mais onde colocar todos os seus luxos porque arrancarei todos os seus membros,pedaço por pedaço,exatamente como fez a mim.

Ela agarrou meu pescoço e o apertou.

— Não gosto de ameaças!

Ela estava me sufocando,estava ficando sem ar.

— Solte-a,Soraya! — o chefe interveio. — Precisamos dela viva. Ainda algo pode ser feito quanto a isso.

Soraya e o homem mascarado se afastaram e conversaram por bastante tempo,quando retornaram,minhas mãos foram algemadas e sem que eu percebesse,injetaram algo no meu braço,me fazendo ficar dormente. Olhei para Ágata atrás de mim,também com os olhos zonzos,os capangas a seguravam sem botar força agora. Me jogaram nos fundos de uma van escura,e logo mais pude sentir o corpo de minha irmã ao meu lado. Nossos olhos estavam se fechando,a dormência cada vez mais profunda,tudo estava se apagando.

É assim que se é morrer?

                                                                ***

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