3- Ele estava aqui

Maeve

A cabeça doía, meus olhos estavam pesados, mas imagens confusas se formavam em minha frente. Não reconheci o lugar. O teto não era simples como o da minha casa, era alto e decorado. Cortinas pesadas de um azul intenso pendiam das janelas cobrindo parte da claridade que vinha fora. O dia estava claro, podia ver através da fenda entre as cortinas.

O cheiro do quarto também era diferente, tinha um cheiro que minha mente lutava para reconhecer, mas não conseguia me lembrar onde e quando senti aquele aroma. Era como madeira molhada e flores silvestres. De alguma forma ele me trazia conforto e uma sensação boa.

A cama onde eu estava era muito confortável, não que a minha não fosse, mas aquela era quase como estar flutuando. Arrastei minhas mãos sobre o tecido macio sem me lembrar bem do que havia acontecido e como tinha ido parar naquele lugar. Meus dedos esbarram em algo e viro meu rosto lentamente para ver o que era, na verdade, quem era.

Fiquei admirada quando percebi que havia um homem com os braços sobre a cama e sua cabeça apoiada sobre eles. Sua pele era morena, um de seus braços fortes estava enfeixado, o cabelo escuro dele e o corpo grande e forte me fizeram lembrar do que acontecera no bosque.

Aquela empregada havia tentado me matar e ele salvara a minha vida. Se ferira no processo e agora está aqui, adormecido ao meu lado na cama como se tivesse vigiado meu sono durante a noite. Isso é um milagre. Sean havia salvado a minha vida e agora estava ao meu lado adormecido, ainda não conseguia acreditar.

Foi impossível conter o sentimento que aqueceu meu coração ao me lembrar do que acontecera, mas eu precisava me lembrar que esse homem me ignorou por quatro anos e assim que eu me recuperar fará o mesmo. Tornará a me ignorar e se eu alimentar qualquer sentimento que seja, meu coração se partirá em pedaços.

Meus dedos acariciam a pele dele, sentindo os músculos de seus braços fortes. Aquele homem é meu marido, eu não deveria ter medo de tocá-lo nem receio, mas é isso o que sinto. Recolho a mão no momento em que ele levanta o rosto de seu braço.

Sean leva as mãos ao seu rosto e ergue o corpo, mostrando a mim a camisa de linho aberta expondo seu peito e abdome definidos. Ele estava sentado em uma poltrona, somente seu tronco estivera apoiado na cama, ele não dividira a cama comigo. Por algum motivo isso fez meu coração doer. E mais um detalhe veio em minha mente: estava no quarto dele, na cama dele, e o cheiro que senti no quarto é o mesmo que senti quando ele me pegou no colo. O cheiro dele.

Encaro-o enquanto ele desperta e esfrega o rosto. Seus olhos escuros me fitam, percebendo que eu havia acordado e o encarava.

— Oi – cumprimento com a voz rouca e baixa.

— Oi – ele fala ainda me encarando – Como está? – Questiona sem muita empolgação por ver que despertei.

Tento me sentar, mas uma dor aguda faz com que eu volte meu corpo na posição inicial e relaxada.

— Um pouco dolorida – respondo depois de alguns segundos, tempo necessário para que as dores me deixassem em paz.

— Descanse – Ele se põe de pé e seus dedos trabalham nos botões da camisa, fechando-a.

Não sei o que está acontecendo comigo, mas mesmo com todo esse desprezo da parte do rei, eu queria que ele olhasse para mim sem essa frieza; queria que ele não fechasse a camisa para esconder seu corpo de mim; queria que ele tivesse dividido a cama comigo esta noite e dividisse nas noites seguintes.

— O médico virá em breve para examiná-la – continuou a falar.

— Sean – chamei-o. O rei se virou na minha direção me observando. – Obrigada. – Agradeci.

— Não foi nada – Ele pegou sua capa vermelha e colocou-a sobre os ombros, preparando-se para deixar o quarto.

Fiquei confusa. O homem passa a noite encurvado na cama, sentado em uma poltrona e quando desperto mal fala comigo. Tive a esperança que a tentativa de assassinato tivesse feito Sean mudar de ideia, tentar se aproximar de mim, mas vejo que o fato de ele ter salvado a minha vida foi realmente um milagre. Decido fazer um pedido a ele, já que esse homem não me quer como mulher.

— Sean – chamo-o novamente e vejo seu olhar irritado na minha direção. – Deixe-me viver livre em qualquer lugar do reino, por favor.

— Por que está pedindo isso?

— Porque sinto que estou sendo punida por algo que não fiz. Não tenho culpa das atitudes de meu pai. Me sinto sozinha naquela casa, você nunca tentou uma aproximação... – desvio meu olhar do dele, mas não me acovardo e concluo meu pedido. – Não aguento mais viver dessa forma.

— Não – Sua resposta é dura e sinto a negação reverberar dentro de mim.

— Vai me manter por quanto tempo assim? Isolada em uma casa onde você pode me monitorar vinte e quatro horas por dia e esfregar na minha cara as mulheres que traz pra sua cama?

A face de Sean se contorceu, mas ele não me respondeu mais nada, deixando claro sua palavra final. Ele não me libertaria daquele martírio. Se o que ele queria era me punir pelas maldades de meu pai, ele estava conseguindo.

***

Sean

Deveria ter passado a noite em uma casa de prazer qualquer, nos braços quentes de uma mulher, mas não, passei a noite ao lado de Maeve. Não queria parecer desrespeitoso, apesar de ser seu marido, mas como nunca tivemos qualquer intimidade, não achei apropriado dividirmos a cama.  

Aida me aconselhou a me aproximar de minha esposa, conquistar seu amor, mas não será fácil. Como ela disse, a moça parece ser carente de amor, mas é justamente esse tipo de comportamento nela que me irrita. Mas não posso negar que seu pedido me deixou surpreso. Justamente quando estou disposto a tentar uma aproximação, mesmo que não seja pelos motivos certos, ela pede para se afastar. Ela não quer mais viver nas dependências do castelo, quer ser livre e isso me incomodou mais do que eu poderia imaginar.

Nego veementemente, muito irritado por vários motivos. Deixo o quarto no momento que vejo uma lágrima escorrer pelos olhos de Maeve, batendo a porta com força. Agora tenho algo importante a fazer: ter uma conversinha com a empregada que tentou matar Maeve.

— Aonde vai com tanta pressa, Sean? – Ouço a voz de Aida atrás de mim, encaro-a com meu mau-humor totalmente explícito em meu rosto.

— Onde você acha? Na prisão – falo, mas continuo a andar.

— Pelo jeito a noite não foi boa – comentou com um sorrisinho idiota no rosto e eu senti vontade de esganá-la ali mesmo.

— Como poderia passar uma noite boa sentado em uma poltrona, sem posição confortável para dormir?

As pessoas que passavam por nós nem nos cumprimentavam, já podiam identificar em meu rosto que eu não estava em um dia bom, e sábias como eram, fingiam que não viam e seguiam com seus afazeres.

Os corredores iam ficando mais estreitos conforme descia os andares do castelo.

— Tem certeza que todo esse mau-humor é devido a uma noite mal dormida na poltrona? Parece que há algo mais.

— Ela pediu para ir embora.

— Como? – A incredulidade tomou a face da maga. – Ela quer voltar para aquele reino de horrores?

— Não. Ela quer que eu a liberte, que a deixe viver em qualquer lugar do reino, mas longe de mim.

— Não consegue imaginar o motivo desse pedido, Sean?

— Não, só consigo ver que justamente quando decido me aproximar, ela quer se afastar.

— Mas esse é o melhor momento para você se aproximar. Ela está mostrando a você o que quer, e não é se afastar.

Encaro-a confuso. Essa maga deve ter tomado um barril de vinho na noite anterior e todo o álcool ainda não deixou seu corpo.

— Se você me explicar, agradeço.

— Ela está se apaixonando por você e não suporta seu desprezo, dê a ela o que quer e em breve terá o amor de Maeve.

Decido não responder, pois acabamos de chegar na prisão onde a empregada que tentou matar Maeve esta presa. Peço a um guarda que abra a porta do cubículo onde ela se encontra.

Entro com Aida atrás de mim e encaro a mulher encolhida. A cela fria fazia meus pelos arrepiarem, podia imaginar o que a mulher havia passado naquele lugar durante a noite, mas era um bom castigo enquanto estava presa neste lugar.

— Acho bom começar a falar o que aconteceu naquele lugar.

Falo e meu tom não é nada agradável, vejo que ela se encolhe ainda mais.

— Não sei do que está falando, majestade.

A garota responde levantando seus olhos acinzentados na minha direção.

— Impossível não saber sobre o ataque à minha esposa no bosque do castelo. – A maga se posiciona ao meu lado de braços cruzados, encarando a empregada. – É melhor começar a falar, antes que eu perca a paciência e faça uso de métodos nada agradáveis para tirar de você tudo que eu quiser saber.

A empregada se senta e coloca as mãos entre as saias, retorcendo-as de maneira nervosa, mas balança a cabeça de forma afirmativa.

— O que o senhor deseja saber, majestade?

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