Capítulo 6 •

Três dias se passaram desde a minha chegada. Sai do quarto somente quando fiquei com Pietro, geralmente perto das refeições ou quando ele queria brincar, isso claro, quando ele não tinha compromisso. Essas crianças têm a agenda tão cheia, que fico cansada por eles.

No momento estou sentada na árvore que me ajudou na fuga outro dia e feliz por caso o Lobisomem decida me importunar, estarei no alto e é só fingir que não estou ouvindo. Descobri que ele está mais em casa esses dias pois quer ficar de olho em mim, já que ainda não sou confiável. Então ele não tem trabalhado tanto como geralmente faz.

Escuto uma movimentação abaixo, mas não me dou o trabalho de olhar. Fecho os olhos e relaxo, já imaginando que possa ser ele.

— Até quando serei punido por uma risada inocente? — Escuto a voz de grandão.

Se tem uma coisa que faço e não gosto muito, é guardar rancor, mas já estou super querendo voltar a falar com ele. Só que estava com vergonha de chegar e simplesmente falar, vai que ele me ignora. Sei lá, ele nem tentou falar comigo esses dias e eu surtei atoa.

— Você chama aquilo de risada inocente? — Mesmo de olhos fechados, cruzo os braços. Eu e minha mania de arrumar brigas do nada — Quer dizer... Você me ignorou todos esses dias! — Me retrato.

— Te dei espaço, pequena. É diferente. — Agora ele tem minha atenção. Olho para baixo e vejo ele sentado no banco. Respiro fundo e descido descer.

Me penduro no galho que estava sentada e fico suspensa no ar, solto as mãos e logo caio de pé.

— Você parece uma macaquinha fazendo essas coisas — Diz rindo e reviro os olhos.

Ele está de pernas cruzadas e a mão sobre elas, terno preto aparentemente bem quente e olha que hoje está bem calor. Até coloquei meu short curto, um cropped e meu fiel tênis escudeiro amarelo. Acho que já deu para notar que é minha cor favorita.

— Pelo menos não é cachorro. — Dou de ombros e ele solta uma risada baixa, sento ao seu lado.

— Parece que ser comparada a esse pequeno animal foi bem traumatizante para você. Será que ficou aborrecida pelo fato de ser comparada a um animal ou por quem te comparou a um animal? — Sua análise me pega de surpresa e ela vê que isso me faz ficar pensativa — Você está melhor? — Tenta mudar de assunto.

— Eu só... — Passo a mão no cabelo, sem saber o que responder. — Ele me irrita muito. — Afundo o pé na grama e fico girando sem saber ao certo. — Eu exagerei, não é? — Pergunto levantando o olhar para ele, que assente. Solto o ar envergonhada. — Vou ver o que faço sobre isso. — Abro um sorriso. — E sim, estou muito bem. Meditar e não encontrar seu chefe ajuda bastante a manter minha sanidade intacta.

Cruzo as pernas e imito a posição dele. Até que é relaxante também. Ficamos em silêncio, observando uma borboleta voando de lá para cá, igual dois adultos sensatos. Mesmo eu não sendo tanto assim.

— Você tem família? — Pergunto do nada.

Ainda não sei quase nada de nenhum deles. Preciso montar logo o perfil detalhado de cada um em minha mente e saber de tudo.

— Sim!

— Eu, sinceramente, sinto muito por está preso a mim e não com eles. — Olho para minhas mãos, brincando com meus dedos. Me sentindo culpada.

— Tecnicamente estou perto dela. — Volto meu olhar confuso para ele, que logo faz questão de prosseguir. — Sou casado com a Sílvia.

— Aah, não acredito! — Olho para ele alarmada e bem surpresa — Por que não disse antes? E se eu tivesse falado mal dela para você? Poxa, Grandão. Isso não é algo para se guardar assim, mas ... Ela disse que era lá da comunidade e todo dia vai para casa, outra coisa... nunca vi vocês pertinho um do outro.

Entro em uma conversa bem empolgante com ele, que me explica os motivos pelo qual não fica de agarramento com a Sílvia e onde eles moram. Não dura muito tempo, mas consigo descobrir algumas coisas que estava me questionando por esses dias.

Queria perguntar se eles têm filhos, o que creio ser não a resposta, mas mesmo assim, não tive abertura para perguntar.

— Agora que estamos bem. Preciso ir, vou buscar alguns documentos para o senhor Jhonson. Não apronte nada, estou confiando em você. Posso confiar? — Pergunta assim que se levanta e abro um sorriso.

— Claro, prometo que quando você chegar. Ele ainda vai estar vivo. — Ele me encara e faço uma expressão bem fofa, piscando os olhos. — E eu estarei aqui quietinha. — Pisco divertidamente.

— Pode não ser perigosa, mas é um tanto estranha. — Afirma antes de levantar e dou risada. — Isso assusta mais ainda. — Acabo rindo de sua expressão.

O homem se despede e segue seu rumo, acompanho com o olhar até ele sumir de vista. Olho para cima e encaro o alto do muro. Um pulo e ninguém saberia até olhar nas câmeras. Mas eu saberia e isso é o pior, pois jamais me perdoaria por decepcionar aquele menino com o olhar tão acolhedor e expressivo.

Balanço a cabeça expulsando essa súbita vontade de fugir. Soube que todos os seguranças foram trocados e agora os que estão de vigia, são bem mal—encarados. Eles parecem ser bem mais treinados que os outros e costumam ficar em pontos estratégicos, que mal consigo ver. Acho que Isaac realmente quer evitar futuras invasões, o que acho muito certo.

Decido voltar para dentro e sigo pela academia. Ando até a porta, mas paro assim que escuto vozes do outro lado. Na sala onde conheci o Lobisomem e tudo se desenrolou.

— O que você acha? — Isaac pergunta a alguém.

— Ela me parece inofensiva. Ácida às vezes, porém me parece mais uma arma para se proteger. — Grandão responde — Não creio que ela represente perigo. — Sinto quase uma traição, pois ele está me estudando, mas sei que é só o seu trabalho. — Ela só precisa de alguém que a entenda. — Engulo seco nessa parte, me sentindo levemente sufocada.

— Eu não confio nela. Mandou olharem para ver se ela roubou alguma coisa? — Escuto o homem e mesmo ainda nervosa, pela fala de Grandão, a acusação do homem sobre roubar me irrita. Ele deve achar que eu sou muito burra, para roubar e continuar aqui.

— Acho que ela não faria isso. Acho que apenas estava no lugar errado, na hora errada e pelos motivos errados. — Grandão diz o que lhe falei ontem e até consigo ver o semblante confuso do Lobisomem. Deve estar pensando como corrompi seu homem de confiança em menos de uma semana. — Confie em mim quando digo isso.

— Esqueceu o que ela estava fazendo aqui quando a encontramos? Roubando. Isso não muda de uma hora para outra. — Reviro os olhos. Chato, mesmo que seus argumentos sejam válidos.

— Ela estava invadindo e não roubando, nada desapareceu. — Tão fofa a forma que ele me defende, mesmo dizendo o que fiz de errado. — Mas se te deixar mais tranquilo, posso mandar outro em meu lugar.

— Não, você vai. Confio em você. Eu vigio a garota. Toma ... — Oferece alguma coisa a Grandão e me inclino para tentar ver o que é.

Chego bem perto da porta de correr e coloco a cabeça pela fresta, mas acabo batendo o bico do all star na porta, que faz um barulhão e isso chama a atenção deles.

— Que porta dura. — Tento disfarçar fingindo que estava tentando abrir ao invés de ouvir conversas alheias — Boa tarde! — Passo por eles com a maior cara lavada do mundo, mas logo sou parada.

— Um minuto espertinha. — Grandão quem fala e me viro na maior inocência do mundo — Por acaso estava ouvindo a conversa?

— Claro que não. Não sou criança para ficar ouvindo escondido. — Cruzo o braço e arqueio a sobrancelha.

— Mas parece uma. — Murmura o motivo do meu ranço diário.

— Olha aqui seu lobisomem. Eu não sou fofoqueira!! — Olha eu, tentando provar que não fiz algo que eu estava fazendo. Complicado de entender, mas sair por baixo, jamais — Só estava passando para ir pro quarto.

— Não lhe chamei de fofoqueira em momento algum. Apenas me referi a um fato corriqueiro que para mim já está mais que claro.

— Você é insuportável!

— Crianças pensam isso de adultos.

— Você se acha tão adulto e fica discutindo com a criança aqui. Está pensando que esses sete anos de diferença te fazem mais adulto que eu? Tolice.

— Você tem vinte e quatro anos? Os jovens de hoje em dia estão retrocedendo. — Não sei para onde o rumo dessa conversa vai levar, mas consigo imaginar que seja eu voando no pescoço desse cara e enforcando ele até desmaiar.

— Meu Deus, vocês dois parecem crianças!! — Grandão se intromete no embate levemente irritado e massageando a cabeça.

— Rá! — Aponto pro homem, feliz por provar que ele também é criança, mas Bob me olha feio e abaixo a mão lentamente, deixando ambas cruzadas atrás das costas. — Desculpa, isso foi infantil, confesso.

— Eu vou pegar os documentos. Preciso respirar um pouco. — Ele sai de perto do homem e passa por mim.

— Posso ir com você? — Ele para e me olha.

— Não! — Isaac corta minhas esperanças.

— Ah, por quê? — Viro para ele frustrada — Eu estou presa aqui a quatro dias, preciso respirar, não aguento mais olhar a parede do quarto. Eu vou sim! — Arqueio a sobrancelha e bato o pé. — Disse que isso não era um cárcere privado, prove. — Desafio.

— Tudo bem. — Diz e mal posso acreditar. Ele passa por mim, o que não entendo. — Mas vai comigo. Me dá o envelope, eu vou. — Bob entrega o pacotinho fino a ele e murcho meu sorriso — Vamos? Afinal, se está mesmo sedenta para sair, a companhia não importa. Estou certo ou errado? — Me desafia de volta e mordo os lábios para não falar besteira.

— Vamos! — Abro um sorriso gigante — Sei de lugares ótimos para desovar um corpo. — Escuto a risada de Bob.

— Pode ir para casa e descansar. Eu assumo daqui, qualquer coisa eu te ligo. — Escuto Isaac falando e até que não foi tão ruim assim. Grandão está aparentemente bem cansado. Como uma boa amiga, não aprontarei e deixarei ele descansar.

— Eu não confiaria em mim se fosse você. — Digo assim que passa por mim, para ir ao carro estacionado em frente a porta.

— Mas você não sou eu!

Aut, essa eu senti forte e sem avisos.

Entro no carro ainda quieta e impactada por sua fala. O silêncio reina entre nós enquanto ele dirige para fora da propriedade. Mesmo que a companhia não seja nada agradável, até o fato de sair daquela casa me causa bastante alívio.

— Vou precisar dos seus documentos. — A voz dele inunda o carro e encaro seu rosto, ainda de lado e concentrado em dirigir — Para assinar sua carteira e essas coisas.

— É necessário mesmo? — Ele me dá uma olhada como se minha pergunta fosse bem idiota.

— Claro, você está trabalhando para mim e vai receber tudo de acordo com o contrato que vai ser firmado entre nós. — As vezes me irrita ele ser tão certinho.

— Eu não pretendo ficar muito tempo, seu filho me parece muito mais animado e ta comendo direitinho todos os dias. Não vejo necessidade de arrumar tudo isso, para em um mês eu ir embora. — Argumento, mas vejo que não obtive resultados.

— Isso não está em discussão. Gosto das coisas dentro da lei, ao contrário de certas pessoas. — Começou, até que demorou.

— Me manter em cárcere privado está dentro da lei, não é?

— Não estou te mantendo presa, apenas não confio em você o suficiente para te deixar ficar sozinha. Suas falas não me inspiram confiança nenhuma. Se me provar que estou errado, vai ter minha confiança.

— Você acha que eu não sei cumprir um acordo? Se eu disse que ficarei para ajudar seu filho, eu vou ficar. Posso ter um milhão de defeitos, mas não curto quebrar promessas e nem mentir quando o assunto envolve a saúde de uma criança. E aliás, eu não preciso provar nada para você. — Digo seriamente e ele resmunga em entendimento. — Você é a última pessoa do mundo ao qual quero impressionar.

Um silêncio esquisito volta a assolar o carro, o que me faz batucar na porta do carona sem perceber.

— Você já trabalhou com isso antes? — Sua voz aparece novamente e percebo que ele não está zombando ou coisa parecida, apenas curioso.

— Eu ajudava minha mãe no orfanato que tem perto de onde moro, ou melhor, morava. — Dou de ombros. — Acho que sempre levei jeito com as crianças.

— Mesmo Pietro tendo apenas três anos, ele costuma julgar as pessoas muito rápido. Ou ele gosta de início, ou ele não gosta nada. Às vezes ele muda de opinião com o tempo, mas é difícil. — Prossegue e confesso que gosto desse novo terreno explorado por uma simples conversa. — Ele é pequeno, mas cheio de opiniões.

— O que ele acha da Gar ... sua namorada?

— Ele está se adaptando a ela. Não foi alguém que conquistou ele de primeira. — Responde sinceramente. — Na verdade, ele odeia quando ela mexe no cabelo dele. — Acrescenta.

Parece que conseguimos conversar de boa as vezes e Pietro parece ter um sentido aguçado para quem presta e quem não presta. Não que eu preste e seja melhor que ela, mas não faria nada do que ela faz ou fez.

— Ele é um ótimo menino. — Comento e ele assente, se concentrando somente em dirigir.

Olho para fora e vejo que estamos nos aproximando do centro da cidade. Os grandes prédios começam a se formar e os muitos comércios começam a ficar mais evidentes. Preciso ir ao mercado, talvez ele dê uma parada para mim na volta para casa.

Ele logo estaciona o carro e sai, sigo ele pois estou curiosa para saber o conteúdo do envelope em sua mão e também que documentos ele vai pegar. Quando chegamos a uma sala de espera, onde tem alguns escritórios, um homem se levanta e vem até nós, com uma pasta em mãos. Observo os escritórios e tento ler o nome nas portas, dentista, advogado, contabilidade e outros.

Volto a prestar atenção neles quando o homem agradece e confere o que tem no envelope, é um cheque. Faz sentido, devido ao tamanho e à finura. Isaac me chama e volto a segui—lo.

— O que é isso? — Minha curiosidade fala mais alto.

— Seu contrato de trabalho e uns documentos de uma empresa que talvez eu inicie parceria. Aquele era meu advogado. — Explica calmamente.

— Posso ler?

— Agora não. Preciso separar os documentos e vê se o contrato está de acordo com o que quero. — Assinto, mesmo não gostando dessa alternativa.

Ficamos em silêncio, mas confesso que queria muito estar lendo o contrato e ver o que ele colocou nos tópicos. Será que tem uma cláusula dizendo: Proibido fugir durante o período de tanto tempo? Seria engraçado e até provável.

Percebo que estamos voltando pelo caminho que viemos, mas ele para de repente o carro frente a uma cafeteria.

— Estou contando com sua parte em cumprir o acordo. — Ele sai do carro e se curva, para me encarar — Preciso pegar um documento. Já volto. — Faz menção de fechar a porta, mas logo volta e pega a pasta sobre o painel. Poxa, pensei que poderia fuxicar.

Não demora muito e ele volta com duas pastas de documentos, uma caixinha branca e um copo com café. Ele j**a os documentos no banco de trás e se acomoda novamente.

— É para você. — Estende o copo e a caixa em minha direção. Fico realmente surpresa, mas ele se apressa em tirar o mérito de si — Não fui eu quem comprei, ela que pediu para te dar. — Aponta para fora e vejo na porta do estabelecimento uma senhora, sorrindo. Aceno para ela e ela acena de volta. — Por mim, você não ganharia nada. — Acabo rindo, sem entender por que o nervosismo aparentemente.

— Obrigada mesmo assim. — Agradeço e recebo um olhar surpreso. — Quem é ela?

— Dona do local. — Diz antes de ligar o carro e voltar para a pista.

— Ela é uma fofa. — Comento encarando a caixa pequena e sinto que ele me encara, porém não devolvo o olhar. Provo o conteúdo do copo reutilizável, que com certeza irei guardar com carinho. Não costumo ganhar presentes, é um tanto raro — Nossa, é muito gostoso! — Me expresso bem encantada pelo café.

Acho que nunca provei um tão bom assim, tem algumas coisas misturadas e um leve gosto de chocolate e canela. É maravilhoso.

— É invenção nova deles. — Encaro o rosto de lado do homem, ele parece orgulhoso.

— Está mais que aprovado. — Volto a olhar para frente e vejo o local que preciso ir mais a frente — Para ali para mim. Tenho de comprar umas coisas.

— Preciso olhar os documentos. Pode pedir a Sílvia que ela manda alguém comprar.

— Mas eu quero comprar. Agora nem isso eu posso fazer? — Fico totalmente murcha. — Nosso relacionamento está muito tóxico, Lobisomem. — Digo ainda séria e irritada, mas ele ri, como se eu tivesse contado uma piada. Esse é um humor diferente dele, que até agora eu não tinha presenciado. Até que combina.

— Cinco minutos. — Ele estaciona o carro e lhe dou um sorriso. Agradecida pela compreensão, mesmo sabendo que cinco minutos não vai dar.

— Continua tóxico, mas obrigada. Já volto. — Saio do carro e sigo em direção a porta grande do mercado.

Tenho um pouco de dinheiro comigo e preciso comprar algo essencial para os próximos dias, parece que Sílvia esqueceu que eu tenho um certo período mensal e não tem nenhum pacote no banheiro. E bom, eu que não vou pedir a ela para comprar. É meio constrangedor. Acho que eles não esperavam que uma mulher se instalasse na mansão.

Pego uma cesta e me direciono direto para onde eles ficam. É constrangedor pedir, mas eu também tenho vergonha de comprar. É um grande dilema que sofro todo mês que preciso vir ao mercado. As vezes eu peço a Samantha para passar no caixa, ela é menos tímida em relação a isso. Jogo dois pacotes dentro da cesta que seguro e me viro, levando um baita susto e batendo no peito de alguém.

— Que susto homem. — Levanto o olhar irritada para Isaac e recuo um passo — Eu disse que seria rápida.

— Eu não levei fé. — Diz colocando as mãos no bolso do sobretudo e me avaliando —Você podia ter pedido a Sílvia para comprar isso. — Aponta e sinto meu rosto pegar fogo.

— Ei, deixa de ser inconveniente. Que coisa feia. — Coloco a cesta atrás das costas, escondendo dele — Imagina quando sair a notícia dizendo que você foi visto entrando em um mercado. Às vezes fazem isso quando não tem coisas mais importantes para noticiar. — Digo e começo a andar. Indo em direção a parte de biscoitos.

— Não lembro a última vez que vim a um mercado. Isso se eu já tiver feito isso.

— Como assim? — Paro alarmada e encaro seu rosto — Todo mundo já foi ao mercado pelo menos uma vez na vida. Não acredito em você!

— Posso ter vindo quando era criança, talvez.

— Ui, o senhor riquinho lobisomem é bom demais para adentrar em ambientes assim. Preciso me curvar frente ao rei? — Debocho fazendo uma reverência e ele revira os olhos.

— Nunca precisei de fato fazer isso. Quando fui para a faculdade, fiquei em um apartamento perto da universidade e tinha empregada, ela quem resolvia isso.

— Me sinto privilegiada de ter sido sua primeira vez. — Coloco a mão no peito, fingindo estar tocada e bem feliz por esse mérito. — Você até que foi gentil.

— Engraçadinha, mas eu já fui em lojas de conveniência de postos de gasolina. Disso eu lembro, por conta das bebidas.

— Olha, que guerreiro. — Implico dando dois toques em seu braço. — Saiu vivo dessa tortura?

— Não, o que você está conversando no momento é um robô. Ricos conseguem essas coisas sabe. — Eu que tinha voltado a andar, agora paro e encaro seu rosto. Que agora mantém um sorriso zombeteiro no rosto.

— Isso explica muita coisa. — Lhe dou as costas e entro no corredor com biscoitos de todos os tipos e sabores. — Faz muito sentido na verdade.

Esqueço o meu acompanhante e vou em busca do biscoito que quero comprar. Levo um susto pela voz que se manifesta ao meu lado, em total empolgação.

— Nossa! Não vejo esse biscoito a anos. — Observo o pacote em suas mãos — Eu adorava esse biscoito. — Me aproximo. Não sou tão fã de biscoitos de morango.

— Onde o robô comia esses biscoitos de classe baixa mesmo? — Ajeito a cesta no braço e logo os cruzo, esperando a resposta dele.

— Na época da faculdade, nas lojas de conveniência que eu ia. — Diz meio nostálgico — Depois que me formei, nunca mais vi desse.

— Traduzindo: Depois que me formei, nunca mais fiz questão de entrar em lugares assim, para procurar o biscoito que gostava. Sou rico, blablablablabla, rico.

— Na verdade, eu nem lembrava mais.

— Hoje é seu dia de sorte. Vou comprar um para você. Acho que cabe em meu orçamento. — Pego o pacote de sua mão e jogo na cesta, além de pegar mais um — Dois, pois você está se comportando.

— Eu posso pagar e a criança aqui é você.

— Sei que pode, mas não vai.

— Da onde você tirou dinheiro para isso? É de sua vida criminosa? — Lhe encaro feio.

— Tenho minhas reservas e não, é super honesto esse dinheiro. Quando minha mãe era vi... — Paro de falar, percebendo que já ia falar demais e lhe dou as costas.

Pego três pacotes do meu biscoito e volto a ignorar a presença dele. Não quero mesmo que ele saiba da minha vida.

— Agora preciso de uma barra de chocolate para as cri... — Ele arqueia a sobrancelha e paro de falar — As crises de TPM que terei. Eu fico insuportável. — Conserto o que iria falar e passo pelo homem. Que provavelmente não acreditou em mim. Eu disse às crianças que daria um jeito de dar a eles um pedaço da minha barra de chocolate favorita.

— Você sabe que eles têm uma alimentação regrada, não é?

— Claro, mas ao contrário de você que é um robô, eles não são. São crianças e deixar elas serem uma às vezes, até que seria bem legal.

— Você por acaso está querendo me ensinar a criar meus filhos? — Parece que toda a nossa conversa tranquila anterior e sem estresses, vai acabar.

— Não estou dizendo isso. Só acho que você deveria dar mais atenção a eles. Ouvir mais o que eles querem. Sílvia não é a mãe e muito menos o pai deles para ficar responsável por tudo. — Dou minha opinião.

— Se eu quisesse sua opinião, certeza que eu pediria, mas como ela não me acrescenta em nada no momento. Você pode guardar.

— Você deveria ouvir mais as pessoas. — Olha nós dois, discutindo no meio de várias barras de chocolate. — Eu só quero ajudar, não estou te obrigando a nada, Isaac.

— Quando essa pessoa em especial tiver moral para falar, eu escuto ela. Mas se essa pessoa for de caráter duvidoso, prefiro que nem gaste saliva tentando. — Abro a boca chocada e logo bufo irritada — E a única ajuda sua que preciso, é ajudando ele a comer. Comer o que foi recomendado e não as porcarias que você costuma comer! — Ele parece prestes a explodir como uma bomba. — Para o que estou te pagando pra fazer.

— Ignorante! — Me estresso. — Eu só queria ajudar. — Me sinto mal por isso.

— Você tem cinco minutos para ir pro carro, se não, eu esqueço tudo que combinamos e te entrego para a polícia. — Diz irritado e logo a parte final fala baixo perto do meu ouvido, isso me arrepia na mesma hora. Ao terminar sai batendo o pé no chão.

— Que idiota. Parece criança. — Falo sozinha. — Sem coração. — Sussurro assim que ele vira o corredor e some.

Fico alguns segundos parada no meio do corredor, tentando entender como passamos de uma conversa civilizada, para uma atrito pesado e com insultos.

Pego o chocolate e corro para o balcão, estou irritada sim, mas não quero estourar o tempo que falou, pois não quero mesmo ter de me encontrar com os policiais. Estou começando a me acostumar à nova rotina.

Penso em tirar os biscoitos dele, mas decido deixar e entrego a moça para passar no caixa. Eu vi como ele ficou bem empolgado com isso e seria ruindade minha não levar, visto que eu disse que compraria para ele. To agindo como se fosse a mãe dele agora. No dilema de dar doces ou não.

Termino de pagar e guardo as poucas moedas que me sobraram. Minha mãe deixou uma poupança em meu nome antes de morrer, não tem tanto dinheiro, mas dava para me virar bem. O que me faz pensar no momento que motivo me levo a sair de casa e ir morar no galpão. Eu estava muito abalada mesmo.

Saio do mercado e sigo para o carro luxuoso, ainda estacionado à minha espera.

— Só um mês Cassandra, você consegue. Você é forte e se continuar mantendo a paciência, vai sair com dinheiro na mão e não algemada por ter atacado esse brutamontes irritante. — Murmuro e me calo antes de entrar no carro, não vou revelar meus possíveis pensamentos nada legais para ele. Todos envolvem ele saindo machucado.

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