No coração de uma floresta isolada, um casal de indígenas se torna alvo da lei e de caçadores de recompensas após serem acusados de crimes que não cometeram. Fugindo das forças da civilização e das próprias tribos que um dia os acolheram, Yara e Tupã precisam lutar não apenas pela liberdade, mas pela verdade, enquanto enfrentam dilemas morais, traições e segredos de um passado sombrio. Unidos pelo amor e pela sobrevivência, eles estão destinados a se tornar lendas numa épica jornada de honra, justiça e redenção
Leer más— Eu aceito — disse Kennett finalmente, sua voz baixa, mas firme.Naaldlooyee sorriu novamente, mas desta vez havia algo mais em sua expressão. Algo como triunfo.O ocultista estendeu a mão para selar o pacto, conforme a floresta parecia gritar em protesto.Naquele instante, Donaldo sentiu no âmago de seu ser: cruzava um limite que talvez jamais pudesse voltar.O céu sobre a floresta era um abismo sem fim, pesado, nuvens imóveis abafando até o sussurro do vento. Não havia estrelas para guiar os perdidos, apenas um manto de escuridão que aparentemente se fechava mais a cada instante.A primeira mudança foi quase imperceptível.Uma árvore, altiva e vigorosa no coração da mata, começou a fenecer. Suas folhas, antes verdes e brilhantes como jade, tornaram-se cinzentas, frágeis, e caíram como lágrimas silenciosas sobre o solo. Cada folha que tocava a terra era um aviso, um lamento de algo profundamente errado.Perto de um rio, Yara flagrava-se agachada, os olhos fixos na água turva que corr
A escuridão havia caído como um véu de carvão sobre a floresta.Donaldo caminhava sozinho, o negrume em volta cortado apenas pela luz instável da tocha que tremeluzia em sua mão — como se até ela hesitasse desafiar a amplitude das Trevas. O ar era pesado, carregado de umidade e um cheiro acre de vegetação apodrecida. Cada passo parecia mais difícil do que o anterior, como se o chão abaixo de seus pés estivesse vivo e resistisse à sua presença.— Essas malditas árvores — murmurou ele, os olhos atentos ao menor movimento. — Acham que podem me deter?Mas, no fundo, ele sabia que a floresta era mais do que árvores. Sentia isso em seus ossos, um arrepio que não era causado pelo frio, mas pela percepção de que algo o fitava. Algo que sabia seus segredos.Naaldlooyee estava esperando.O bruxo surgira entre as sombras como uma extensão delas, sua presença tão natural quanto o farfalhar das folhas. Seu manto escuro parecia absorver a luz da tocha de Donaldo, tornando-o uma silhueta indistinta e
Donaldo olhou para o rio diante de si, o reflexo distorcido de sua face na água imóvel. Ele estava só, sentado em uma rocha gasta pelo tempo. A tenda e suas concubinas ficaram para trás, deixadas em um momento de introspecção que ele raramente permitia a si mesmo. O licor em sua mão tremia levemente, como se até mesmo ele sentisse o peso das memórias que o assombravam.Era irônico, ele pensou, que um homem temido e respeitado por seu poder pudesse ser tão assombrado por algo tão banal quanto o passado.A traição era uma cicatriz que jamais se fechara.Anos atrás, Donaldo era diferente. Mais jovem, mais cheio de vida, com olhos que reluziam com uma ambição voraz. Ele tinha uma esposa, Clara, que parecia ser o complemento perfeito para sua energia inabalável. Clara era inteligente e encantadora, uma mulher cuja presença iluminava qualquer ambiente.Mas a vida de Donaldo não era simples. Ele dedicara anos à construção de sua fortuna, movendo-se de um negócio
O rio estendia-se como um espelho sombrio diante de Donaldo, refletindo fragmentos distorcidos de seu rosto. Ele estava só, sentado em uma rocha desgastada pelo tempo. A tenda, com suas sedas luxuosas e as mulheres que preenchiam suas noites, parecia pertencer a outro mundo, deixada para trás em um raro momento de introspecção. A garrafa de licor em sua mão tremia ligeiramente, como se sentisse o peso das memórias que atormentavam seu dono.A ironia o atingia como uma lâmina cega: um homem temido e respeitado por seu poder, acorrentado por algo tão imaterial quanto o passado.A traição. Uma cicatriz que nunca cicatrizara.Donaldo fechou os olhos, permitindo-se mergulhar nas lembranças. Anos atrás, ele era diferente. Jovem, impetuoso, os olhos reluzindo com uma ambição que parecia infinita. Ao seu lado estava Clara, sua esposa, uma mulher cuja inteligência rivalizava com sua beleza radiante. Clara era um sol em sua vida, iluminando caminhos que ele sequer sabia que existiam.Mas a fort
Callahan ajustou o chapéu de abas largas conforme deixava a tenda. Embora esboçando movimentos descontraídos, suas palavras carregavam uma gravidade que ecoava no ar.— Não gosto de me repetir, senhor Donaldo, mas tem algo nessa floresta — disse ele, parando na entrada e virando-se levemente. Seus olhos brilhavam sob a luz difusa do amanhecer. — Algo que não pode ser explicado apenas com truques.Donaldo, recostado em sua cadeira de madeira entalhada, ergueu uma sobrancelha. Sua expressão era de ameno desprezo, mas seus dedos tamborilavam contra o braço da cadeira.— Um conselho, então: não subestime o que não entende. — Com isso, Callahan se virou e saiu, seus passos firmes sendo engolidos pela terra macia.Donaldo permaneceu em silêncio, o eco das palavras do comerciante se infiltrando em sua mente como uma brisa gélida. Ele odiava admitir, mas havia algo naquela floresta que o fazia hesitar. Ele, o grande conquistador, sentia-se inquieto em um lugar que deveria ser apenas mais uma p
A manhã avançava preguiçosamente sobre as minas. O sol lutava para atravessar o céu carregado de poeira e fumaça que pairava como um véu opressor. As sombras das árvores próximas se alongavam no chão irregular, estendendo-se como garras ameaçadoras conforme Kaena deslizava silenciosamente entre os túneis e os abrigos improvisados.Seus olhos avaliavam cada centímetro do terreno, buscando tanto uma brecha para agir quanto sinais de perigo. As armadilhas deixadas pelos homens de Hargrove eram cruéis em sua simplicidade: cordas escondidas sob folhas secas, disparadores de dardos camuflados em troncos e buracos disfarçados por uma fina camada de terra. Cada passo era um risco medonho, transformando a floresta em um tabuleiro mortal.Kaena parou atrás de um tronco caído, observando a cena adiante. Três mercenários patrulhavam uma área onde um grupo de prisioneiros estava acorrentado, forçado a cavar incessantemente no solo endurecido. As expressões dos cativos variavam entre o cansaço absol
O esconderijo subterrâneo estava mergulhado em um silêncio pesado, quebrado apenas pela respiração irregular de Tumbleweed. Ele se contorcia sobre um improvisado leito de palha, conforme Kaena pressionava um tecido contra a ferida em sua perna, o sangue escorrendo lentamente pelos dedos dela.— Aguente firme, garoto. — Kaena falou, a voz baixa.Tumbleweed mordia um pedaço de madeira para conter os gritos, seus olhos apertados de dor. Hei estava ao lado, segurando firme o braço do garoto para que não se debatesse.— Você é mais forte do que pensa. — A voz de Hei tinha uma calma forçada, como se estivesse tentando conter o próprio desespero.Kaena ergueu os olhos por um momento, trocando um olhar ligeiro com Hei. Eles não precisavam falar para saber que o tempo era curto e as opções, limitadas.— Fique aqui com ele — disse Kaena, levantando-se de repente. — Vou até as minas. Ainda há gente presa lá.Hei hesitou, seu olhar fixo nela. Por um momento, pareceu prestes a argumentar, mas cedeu
Tupã não desferiu o golpe final. Em parte, foi o peso de um terrível pressentimento; em parte, a exaustão que dobrava seus braços; e, em parte, a clemência, que sussurrava alto em seu coração.O Comandante Hargrove jazia no chão, a espada caída ao lado. Sua mão ensanguentada pressionava o peito, enquanto sua respiração pesada carregava o som de um esforço exausto. Mesmo assim, seus olhos ainda brilhavam com aquele traço calculista, como se considerasse a derrota apenas mais um degrau em sua estratégia.Tupã o observava, imóvel. A flecha permanecia firmemente encaixada no arco, mas sua força para disparar parecia hesitar.— Você perdeu — disse ele, a voz baixa, rouca, como o eco de um trovão distante. — E, ainda assim, algo me diz que isso não acaba aqui.O sorriso que Hargrove esboçou foi gélido, desprovido de qualquer humor.— Você é esperto, selvagem. — Sua voz era um murmúrio cortante. — Mas nunca esperto o suficiente.E então Tupã ouviu.Primeiro, o som abafado de passos esmagando
As sombras dançavam no chão irregular da floresta, acompanhando o movimento feroz de duas figuras no centro de uma clareira. Tupã e o Comandante Hargrove estavam frente a frente, rodeados pelo silêncio expectante de um público invisível — a floresta, que observava com seus olhos ancestrais. O confronto já durava tempo suficiente para que o suor escorresse profusamente pelo rosto de Tupã. Suas vestimentas estavam rasgadas, marcadas pelos lugares em que a lâmina de Hargrove quase o alcançara, e sua respiração era um som áspero, irregular, como ondas quebrando nas rochas. Hargrove, porém, mostrava-se inabalável. Sua postura firme e olhos de aço refletiam uma gélida confiança, que nenhum sinal de cansaço traía. Ele era precisão encarnada — cada golpe de sua espada uma mistura perfeita de técnica refinada e força brutal. — Esperava mais de você — provocou Hargrove, girando a lâmina com facilidade quase casual. — Dizem que você é um guardião, um protetor da floresta. Mas tudo que vejo é