O que você quer, Andrew?

- Em primeiro lugar, não casamos de verdade. – falei encarando-o.

- Ah, isso doeu profundamente no meu coração ainda adolescente, que jurava que havia sido verdade. – ele riu sarcasticamente, colocando a mão no coração e se curvando levemente, como se tivesse sido ferido.

- Em segundo lugar, não é uma anel, aliança ou seja lá o que for de verdade. Era só uma argola de chaveiro.

- Que você guardou por oito anos? – ele balançou a cabeça. – O que faria se eu lhe desse uma joia verdadeira?

Fiquei corada e ele riu, tocando meu rosto:

- Sua pele a denuncia...

Dei um passo para trás e continuei:

- Em terceiro lugar, quero que respeite Gael... Porque ele é meu namorado.

- Então você deve respeitá-lo primeiro.

- Não entendi...

- Seus olhos a condenam, fedelha.

- O que você está querendo dizer?

- Que você quer repetir o beijo tanto quanto eu.

Senti meu coração bater descompassadamente e um frio na barriga me deixar praticamente imóvel, com um misto de sentimentos dentro de mim que eu não conseguia explicar.

- Eu... Não tenho vontade de repetir... – menti descaradamente.

- Que pena. Eu gostaria de mostrar o que é um beijo de verdade. Aposto que você quereria me beijar para o resto da sua vida depois de experimentar.

- E tem o quarto lugar... – tentei continuar, ignorando o que ele me falava, já quase sem ar.

- Estou curioso. – ele me encarou.

- Gael não corre feito uma menina. Há meninas que correm muito melhor que ele.

- Duvido.

- Pois não duvide.

Virei minhas costas e comecei a andar. Andrew era pretensioso, convencido e...

- Ale... Eu não vou ganhar o beijo como recompensa por recuperar nossa aliança?

- Eu... Seu... – eu nem sabia o que dizer.

Subi as escadas furiosa, na certeza de que ele me observava atentamente.

O almoço com a presença dos Chevalier foi tranquilo. Andrew não me olhou nenhuma vez à mesa e fiquei tão chateada que poderia até estar arrependida das coisas que disse para ele. Sim, eu não poderia negar que gostava daquele homem. Ele não me saía da cabeça. E minha esperança era de que quando o visse novamente, depois de oito anos, aquela paixão de criança não existisse mais. Mas eu estava enganada: nada mudou com relação aos meus sentimentos por ele. Nem o fato de eu tê-lo achado convencido e prepotente fez com que minha obsessão acabasse. Seria obsessão? Eu já nem sabia mais o que pensava com relação a Andrew Chevalier. A única certeza que tinha era de que ele me fazia sentir frio na barriga e sensações jamais sentidas antes... A não ser com ele mesmo, quando eu ainda era uma criança.

Depois do almoço, ele e Henry foram com meu pai dar um passeio para conhecer o castelo de Alpemburg, que embora bem menor que o de Noriah Sul, ainda assim era um lugar fácil para se perder, caso não conhecessem.

Passei o dia lendo no meu quarto. Não queria ver Aimê pelo que ela havia feito, nem Pauline por eu ter duvidado dela, muito menos minha mãe que estava curiosa sobre o anel/aliança.

Recebi um lembrete no celular de não deveria esquecer de ver sobre o vestido da formatura. Sim, no próximo sábado era minha formatura do Ensino Médio. E em breve eu teria que decidir onde iria fazer a faculdade. E o lugar não poderia ser Alpemburg, isso eu sabia. Embora parecesse que meus pais queriam se livrar de mim, eu sabia que era para o meu bem. Queriam que eu crescesse e amadurecesse. E fazer o Ensino Médio em Alpemburg, sendo princesa, foi uma experiência nada boa para minha adolescência.

Eu sequer tinha vontade de escolher um belo vestido para o evento. Mas tinha que ver algo legal para vestir à noite. Levantei empolgada e fui ao closet, escolhendo um vestido abaixo do joelho, modelo evasê, com a saia solta e levemente rodada. O decote era estilo “princesa”, o que eu achava divertido de mencionar. Mas ele valorizava meus peitos pequenos, que fiz questão de envolver num sutiã com um grande bojo. A fedelha não existe mais, Andrew Chevalier. Sou uma mulher... Ou quase uma, pensei enquanto me observava no espelho, não me achando nada com a aparência de uma mulher de verdade... Ou sequer experiente. Mas no fundo aquela era eu: Alexia. A garota com dezoito anos que ainda era uma menina muitas vezes, quando comia sorvete com o avô e se lambuzava toda, sujando inclusive a roupa. Ou quando andava de mãos dadas com o pai pelo autódromo e ele a retirava do chão, rodando com seus pés no alto quando ela ganhava uma corrida. Andrew precisava me conhecer de verdade, como eu era. Porque eu não era uma mulher como Laura... Ou qualquer outra que ele tivesse conhecido.

Deus, por que eu não parava de pensar nele? Tire ele da minha cabeça, por favor. Pedi, olhando para cima, como se estivesse falando com Jesus.

Fiz uma maquiagem leve e coloquei um sapato confortável. Quando percebi já era dezenove horas. Desci até a sala de jantar, onde todos aguardavam ao lado, no espaço próximo da mesa, bebericando alguns drinques antes da refeição.

Quando vi meu avô, Sean, meu coração se encheu de amor. Fui quase correndo até ele e o abracei, sentindo o aperto dos braços dele nas minhas costas.

Ele me olhou atentamente e pegou minha mão, me fazendo girar:

- Está linda, Ale.

- Obrigada.

- Afinal, não é um jantar comum.  – ele sorriu, falando no meu ouvido.

Fiz uma careta e olhei para os lados, para me certificar de que ninguém tinha ouvido. E realmente ninguém ouviu, pela nossa distância dos demais, mas meus olhos encontraram os de Andrew, que me fitavam atentamente. Senti meu coração saltar imediatamente e o tão bom, mas ao mesmo tempo estranho, frio na barriga.

Fomos avisados que o jantar estava pronto e então nos dirigimos à mesa. Os D’Auvergne Bretonne tomaram seus lugares enquanto os convidados aguardaram, como era de costume.

- Sentem-se onde se sentirem mais à vontade, por favor. – disse meu pai.

Meus olhos encontraram os de Andrew enquanto ele fazia a volta para sentar ao meu lado.

- Andrew, sente ao meu lado... Por favor. – pediu Aimê.

Ele parou, quase chegando ao lugar escolhido, que era na cadeira à minha esquerda. Então fez a volta gentilmente, fazendo a vontade de Aimê. Eu já nem sabia se era melhor tê-lo ao meu lado ou quase à minha frente.

- Pode sentar onde fica de costume, Sean. – falou Henry educadamente.

- Nem pensar. Hóspedes primeiro. – Sean disse gentilmente.

Henry sentou-se ao meu lado e meu avô ao lado dele. Sean não morava no castelo, por opção dele. Mas tinha uma casa bem próxima e vinha diariamente nos ver. Ele e minha mãe eram bastante ligados emocionalmente, assim como eu e meu pai. Só que era impossível não amar meu avô intensamente, porque ele era simplesmente um homem perfeito.

O jantar foi servido. Eu não estava com fome, embora não tivesse comido nada a tarde inteira. Acho que a presença de Andrew à mesa me deixava nervosa. Mas se eu continuasse assim, ficaria ainda mais magrela, pois não sabia quanto tempo eles ficariam ali.

Ficamos em silêncio enquanto comíamos, o que não era muito comum na nossa família, já que conversávamos muito à mesa. Mas isso era quando não havia presença de hóspedes.

Após o jantar, meu pai convidou todos para a sala de estar, um grande local amplo, com inúmeras bebidas à disposição de todos, inclusive café, moído na hora. Sempre recebíamos as visitas naquele local após as refeições, especialmente as da noite.

Era um dos maiores cômodos do castelo, com vários mini espaços pequenos para sentar e conversar. Eu particularmente gostava dali. Aimê felizmente não participou desta parte. Minha mãe mandou uma das serviçais colocá-la na cama, pois já era tarde. Então, depois de ficar ao lado de Andrew por quase uma hora, ela o deixou livre.

Sentei numa poltrona confortável, retirando meus sapatos e deixando-os tocar o tapete felpudo. Pauline continuava sentada ereta, com as pernas levemente encolhidas, como se estivesse pousando para um desenho. Eu tinha pena da minha irmã algumas vezes, por não poder ser normal. Claro que eu sabia que não era correto eu tirar meus sapatos na presença das visitas, mas eu estava na minha casa, embora fosse um castelo, e entre “parentes”, segundo meu pai fazia questão de lembrar.

Foi então que percebi os olhares trocados entre minha irmã e Henry. Era visível, para quem quisesse ver. Eles não conseguiam disfarçar.

Henry entregou o convite da festa de Dereck e Kim nas mãos de meu pai, dizendo:

- Meus pais fazem questão da presença dos D’Auvergne Bretonne neste baile em Noriah.

- E nós iremos, com certeza, Henry.

- Já estou curiosa. – disse minha mãe. – Sei que Dereck dá ótimas festas.

Henry riu:

- Meus pais não gostam de discrição, como vocês bem sabem. Escolheram um tema: Baile de máscaras.

- Que interessante. – disse minha mãe. – Já estou ansiosa. Vocês não, meninas?

- Muito ansiosa. – disse Pauline. – Obrigada pelo convite, Henry. Agradeça seus pais em nosso nome.

- Obrigado, Pauline. – ele olhou para meu pai. – Acha melhor que eu a chame de Alteza, Estevan?

- Claro que não, Henry. Somos família. – Estevan fez questão de relembrar. – Assim como não aceito ser chamado de Majestade por vocês, não quero que a chamem tão formalmente.

- Mas percebi Gael a chamando de Alteza. – observou Andrew. – Ele não entra na lista de família de vocês, mesmo sendo namorado de Alexia? Eles não têm um compromisso... Atual... Ou futuro? – ele ficou confuso.

- Muitas perguntas numa só, rapaz. – observou meu avô, sorrindo ironicamente.

Pensei em responder, mas deixei que meu pai o fizesse:

- Há certa resistência pela futura rainha no poder. Então exijo que todos, a não ser família, é claro, tratem Pauline como deve ser tratada: herdeira do trono de Alpemburg.

- Não respondeu ao garoto sobre Gael não entrar na lista de “família”, sendo o namorado de Alexia, Estevan. – falou meu avô, me olhando.

- Bem, Gael só fará parte efetivamente da “família” quando casar com minha filha Alexia.

- O que pode não acontecer tão brevemente... Ou até mesmo nunca acontecer. – observou Sean levantando o copo de uísque na minha direção.

- Sean, claro que quero a união entre Alexia e Gael. Gosto dele. É um homem de boa família, mais velho que ela, maduro, responsável. O pai dele em breve fará parte da corte. Somos grandes amigos. E Gael tem interesse em entrar para a corte também.

- Achei que você não gostasse do envolvimento dela com homens mais velhos. – disse Andrew, parecendo querer voltar uma discussão antiga.

- Por que não deveria gostar, Andrew? – levantei, indo até eles e tentando não voltar ao passado. – Meu pai quer o que é melhor para mim. – abracei meu pai.

- Alexia é bastante madura, mesmo com sua pouca idade. – disse minha mãe. – Ela e Gael se dão bem. Acredito num possível casamento. – ela me olhou.

- Eu gostaria muito. – confirmou meu pai. – Aliás, não desejo outro homem para Alexia a não ser Gael. – ele foi mais claro ainda.

- Mas também não a obrigaria a casar com ele se ela não quisesse, não é mesmo, Estevan? – meu avô perguntou.

- Claro que não, Sean. Eu e Satini sabemos muito sobre casamentos arranjados e o quanto isso pode fazer as pessoas sofrerem. Jamais eu quereria isso para minhas filhas.

- Eu e Estevan éramos prometidos desde que nascemos... Mas nos apaixonamos sem sabermos quem éramos. Sofremos muito até nos encontrarmos como o futuro casal predestinado por nossos pais. Jamais aceitaríamos que uma de nossas filhas se unisse a alguém sem amor.

- Então quer dizer que, embora você queira que Gael seja o esposo dela, não se opõe se for qualquer outra pessoa? – perguntou Andrew, fazendo Henry cuspir a bebida.

Olhei-o incrédula.

- Acho que bebi demais. – disse Henry. – Sinceramente, não estou acostumado a beber nada tão forte. – se justificou. – Perdoem meus maus modos.

- Aonde exatamente você quer chegar, Andrew? – meu pai perguntou seriamente.

- Se uma de suas filhas quisesse casar, por exemplo, com um homem pobre... Normal, sem nenhum título nem pretensão a ser alguém na vida. – disse Henry. – Foi isso que ele quis dizer, Estevan. Porque sempre nos questionamos, meu primo e eu, sobre esta questão de casamento entre nobreza, realeza e pessoas normais.

Falou um Henry agora sóbrio, tentando salvar o primo.

- Podem escolher quem quiserem, desde que eu e Satini aprovemos. – meu pai disse secamente.

Lembrei de tudo que foi feito para afastarem Alef de Pauline. Não, não tínhamos exatamente opção de escolha. Se fosse assim, minha irmã estaria com Alef, mesmo ele sendo um idiota inconsequente.

- Sean, também está convidado para o baile de máscaras. – disse Henry, trocando de assunto.

- Seria um prazer, Henry. Mas como todos os D’Auvergne Bretonne sairão, eu faço questão de ficar por aqui, cuidando de tudo. Mas sei que farão minhas netas aproveitarem muito bem a estadia em Noriah Sul.

- Com certeza. – Henry sorriu, olhando para Pauline.

Meu pai começou um assunto com Sean e Andrew veio até mim, com seu copo de uísque na mão.

- O que você está querendo afinal, Andrew? – perguntei de uma vez.

- Você sabe o que eu quero. – ele disse me encarando.

- O que você quer, Andrew? – perguntou minha mãe, se colocando entre nós dois. – Acho que cheguei exatamente no momento da nossa prometida conversa.

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