Capítulo 05

Ana Lis.

 

“Eu só queria acordar daquele pesadelo, e que tudo voltasse a ser como era antes.”

 

Aquilo que ele guarda como algo sagrado, nada mais é que um escapulário de nossa senhora do Carmo. Eu tinha um do mesmo modelo em ouro maciço. O meu, era personalizado, tinha as abas dobráveis e dentro, havia uma pequena frase que dizia “Fé inabalável” eu ganhei do meu avô quando era criança.

 

O entreguei a um garoto mais velho desacordado, pois, algo em mim, dizia que ele precisava daquele escapulário, muito mais do que eu. Senti algo forte em meu peito que me compeliu a dar de presente para aquele rapaz bonito.

 

Após aquela data marcante, a figura não me saía da cabeça e até hoje ele aparece em meus sonhos, porém, não consigo ver seu rosto.

 

Mas não era Adriel, tenho certeza que não. Eu saberia se fosse ele.

 

— Como se sente agora?

 

— Eu poderia estar bem, mas estou em um hospital.

 

Desejei toda a culpa nele.

 

— Desculpe-me, Ana. Por eu ter lhe tratado daquela maneira, eu não queria ter feito aquilo. Você não deveria ter tocado naquela corrente. Você mexeu em algo que tenho muito apreço e, que me traz lembranças boas e ruins, simultaneamente.

 

— Aquela mulher é sua namorada? Sua esposa que não pode lhe dar um filho?

 

Eu precisava extravasar e saber mais sobre a figura da foto.

 

— Isto não é da sua conta.

 

Após ouvi-lo dizer aquilo, fingi que meu marido não estava mais naquele quarto. Ele continuou me fitando, eu joguei o lençol por cima da minha cabeça só para fazê-lo sair de perto de mim.

 

Seu celular começou a tocar, ao atender captei uma urgência no tom da sua voz.

 

Adriel disse que teria que ir até sua empresa e retornaria somente amanhã. Fingi-me de surda e ele saiu me deixando sozinha naquela sala estranha. A dor de cabeça que estava sentindo era quase palpável de tão forte.

 

***

 

Na manhã seguinte o médico da sala de tomografia veio em meu quarto junto de uma enfermeira e me levaram para realizar o exame. O grande relógio na parede, marcava um pouco mais de oito da manhã e ninguém havia chegado para me fazer uma visita.

 

Fiz uma ligação ontem para meu primo que trabalha na 'Lobo’M&G', mas não  comentei sobre o ocorrido, apenas para poupar minha mãe de mais uma preocupação.

 

Pedi ao Tomás que procurasse saber mais a respeito do conteúdo do contrato, que fora renovado após eu completar meus dezoito anos e ter sido praticamente obrigada a assinar, sem ler nada.

 

Espero que meu primo consiga descobrir mais, quero sair dessa enrascada em que me meti, porém, sem prejudicar minha família.

 

Depois do exame, voltei para o quarto acompanhada da enfermeira. Ao entrar na sala encontrei meu primo sentado na mesma cadeira que Adriel estava ontem. Ele parecia pensativo, de cabeça baixa apoiada em suas mãos que estavam uma de cada lado das suas têmporas.

 

— Tomás. — ele levantou-se apressado para me abraçar.

 

A enfermeira saiu nos deixando a sós.

 

— Como foi que isso aconteceu, Lis? — sua testa franziu ao perguntar.

 

— Eu caí da escada ontem.

 

— Como assim? Você caiu ou alguém te empurrou? — me deito na cama. — O Sr. Adriel fez isso? Fala a verdade, Lis.

 

— Não! Fale baixo por favor. Adriel não me jogou de escada alguma. Eu pisei na beirada do vestido de noiva e acabei caindo. Foi só isso, ok?

 

Tomás meneia a cabeça confirmando, mas como o conheço bem, sei que ele não acreditou em tudo que lhe dissera.

 

Meu primo sabe que estou escondendo algo. Crescemos juntos e ele me conhece muito bem.

 

— Eu não posso demorar muito. Tenho que estar na empresa em alguns minutos.

 

— Conseguiu descobrir algo? — sussurro.

 

— Sim. Não foi muito, mas eu sei que está relacionado a empresa subsidiária da Lobo’M&G. É sobre um investimento conjunto para expandir a bendita empresa que ainda não está em um patamar superior.

 

— Mas o que isso tem a ver com o casamento, com o filho?

 

Fico completamente perdida em meio a tanto mistério.

 

— Eu ainda não sei, Lis. Não se preocupe, vou conseguir mais informações.

 

— Obrigada. Você pode guardar isso em segredo?

 

— Posso sim, afinal de contas, os Lobos são superiores a mim naquela empresa e se descobrem isso, estarei no olho da rua. Portanto, fique tranquila que não vou dizer nada a ninguém. Bem... me deixe ir, estou atrasado.

 

— Mais uma vez eu te agradeço muito.

 

Tomás vem até minha cama e me dá outro abraço em despedida, enquanto isso, a porta do meu leito foi aberta e Adriel adentrou ao quarto segurando uma sacola e com uma expressão sombria pairando em sua face. 

 

— Estou atrapalhando algo?

 

Sua voz rouca o fazia parecer ainda mais intimidante.

 

Meu primo rapidamente desfez o abraço e virou-se para ele.

 

— Oh, Tomás? O que faz aqui?

 

Aproximou-se um pouco mais com seu andar prepotente. Estava impecável dentro daquele terno preto, na medida do seu corpo rígido. Seu perfume logo invade o ambiente, me deixa entorpecida.

 

— Bom dia Sr. Lobo.

 

— Ele veio porque eu o convidei.

 

Digo para o Sr. ignorante que pensa que eu sou propriedade sua.

 

— Tudo bem. Eu já estou de saída, vou deixá-los à vontade. Tenha um bom dia. — Tomás avisa saindo da sala.

 

— Trouxe roupas. Vá se trocar que daqui a pouco você será transferida para outra clínica. — o encarei sem entender.

 

— Por quê? Você falou com meu médico? Deu algo errado no meu exame?

 

Faço as perguntas apressadamente, sentindo o nervosismo tomar conta de mim.

 

— Não é isso... falei com seu médico, sim. Está tudo bem com você, não deu nada de errado. Você vai para a clínica, onde está meu embrião aguardando para realizar o procedimento.

 

— Não, não, não...

 

Desci da cama em um pulo e tentei correr, mas Adriel me segurou fortemente. 

 

— Me solta, alma sebosa.

 

O xingo ele de todas as formas possíveis.

 

— Ana Lis, fica calma e pare de fazer escândalo, é só uma fertilização rápida. 

 

— Eu não sou uma máquina de dar à luz!

 

— Eu lhe paguei muito bem por isso. Não foi o suficiente para você?

 

 Perguntou-me como se eu tivesse alugado meu ventre em troca de dinheiro. Eu jamais aceitaria fazer aquilo se eu tivesse o conhecimento da situação.

 

— Eu te odeio, Adriel Lobo. — começo a esmurrar seu peito.

 

— Você sabe que preciso do filho. Ou você quer que eu o faça de outra maneira?

 

— Nunca!

 

Cuspi em seu rosto após gritar, o homem me encarou sério comprimindo os lábios, furioso.

 

Três enfermeiros que usavam trajes de outra unidade que não conheço, entraram em meu leito.

 

— Segurem ela.

 

Me soltou de seus braços e quando os vi correrem em minha direção, mais uma vez tentei fugir do hospital, entretanto fui barrada novamente.

 

Colocaram-me de volta na cama hospitalar imobilizada. Olhei em direção a porta e vi Adriel indo embora, sem dá importância para mim.

 

Parei de lutar com ambos por não ter mais forças para fugir de tal situação.

 

— O que é isso?

 

Um enfermeiro segurava uma seringa pronto para aplicar uma medicação em meu braço.

 

Apenas fechei meus olhos e me xinguei mentalmente por ter sido tão ingênua, e assinar o maldito contrato por pura fraqueza emocional.

 

Nunca imaginei que seria tocada daquela forma, imaginei me casar virgem após minha formatura e ter uma linda noite de núpcias com o amor dos meus sonhos. Jamais pensei que minha pureza seria rompida por ferramentas médicas.

 

Como eu daria à luz a uma criança sem nunca ter sido tocada por homem algum?

 

“Deus, o que foi que eu fiz para merecer isso?”

 

Pergunto-me ainda de olhos fechados, sentindo uma sonolência repentina, logo após ter levado uma picada de agulha.

 

Meu corpo ficou pesado de repente, mal consegui abrir meus olhos e os fechei de novo, caindo em um sono mágico instantaneamente.

 

***

 

Ouço vozes femininas ao meu redor e alguém tocando em meu pulso de forma suave. Abri meus olhos devagar, vi tudo confuso, no entanto, gradualmente fui recuperando minha visão.

 

— Ela acordou.

 

Disse uma jovem que provavelmente é uma enfermeira.

 

— Você terá que ficar deitada durante duas horas, certo? Vai sentir um pouco de cólica, mas não se preocupe, isso é normal depois desse procedimento.

 

Minha intimidade estava dolorida, na verdade, tudo na região do meu ventre para baixo estava doendo. Tocaram-me de forma íntima e eu não vi nada. Não sei se agradeço por terem me poupado de passar por isso, ou se os amaldiçoou.

 

— Quantas horas eu dormi?

 

Minha voz soa rouca. Umedeci os lábios ressecados, desejando um copo de água. 

 

— Você está dormindo a quase vinte e quatro horas. Ontem nós fizemos exames precisos e, como estava tudo normal, nós acabamos de realizar o procedimento de inseminação.

 

Explica sorridente. Talvez, a jovem enfermeira não saiba de nada do que está acontecendo.

 

— Descanse um pouco. Quer o controle da TV? Se você não quiser dormir, pode assistir algo.

 

— Meu marido está lá fora?

 

— Suponho que ele deve estar chegando, você terá alta daqui a duas horas. — respirei aliviada.

 

— Obrigada.

 

Agradeci pegando o controle da sua mão e lhe pedi água. A jovem simpática sai do quarto e novamente sinto calafrios com a ideia de ficar ali, sem ninguém por perto.

 

Nunca havia sentido tanta saudade da minha mãe, do meu quarto e dos meus livros. Eu me senti só.

 

Sinceramente, não ter ninguém para desabafar no pior momento da minha vida foi terrível! Pois, nem com Deus, eu consigo me abrir. Cada dia que passa, começo a duvidar se ele realmente me ama.

 

Peguei o controle remoto e fiquei mudando os canais da smart TV aleatoriamente, com meus pensamentos longe.

 

Olhei para uma cômoda branca ao lado da minha cama, vi a sacola com roupas que Adriel havia levado para o outro hospital. Mas eu ainda não podia levantar.

 

Após as horas terem passado, me levantei da cama, abri a sacola e fui para o banheiro tomar banho e me vestir para ir embora. Assim que saí do banheiro trajada em um vestido longo e confortável que não era meu, senti meu coração disparar ao vê-lo sentado na poltrona confortável, mexendo no celular.

 

— Está pronta? — Adriel levanta de uma vez.

 

— Me tira daqui. — exijo friamente sem encará-lo.

 

— Como se sente? — tenta demonstrar preocupação.

 

Eu já sabia que ele não se importava comigo.

 

— Horrível.

 

Ergo a cabeça para olhá-lo nos olhos. Adriel abre a boca algumas vezes para dizer algo, mas nada diz.

 

— Ana Lis… Eu…

 

— Não diga nada, nem tente mentir. Só me leva embora, por favor! — interrompi sua fala. Ele ficou em silêncio.

 

Adriel estava me olhando de maneira estranha. 

 

Enquanto caminhávamos eu gravava cada cômodo da clínica, bem projetada, toda em mármore e granito de cores neutras. É uma construção muito bonita para uns, mas para mim, cada sala daquela e até mesmo o cheiro daquele local, ficará em minha memória como uma tenebrosa e desairável lembrança.

 

— As coisas não precisam ser assim. — disse ele.

 

A porta do elevador se abriu, entramos no estacionamento com nossos calçados ecoando o barulho dos nossos passos por todo ambiente, enquanto caminhávamos até seu carro.

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