A filha do Tempo - Ringue em Tokyo
A filha do Tempo - Ringue em Tokyo
Por: Lorenna Liwz
Saturno

A voz suave da aeromoça despertou Gabrielle para a sua nova realidade. Ela espreguiçou; se remexendo na poltrona, depois passou as mãos pela face, e esfregou os olhos para só então abrir as pálpebras completamente.

Seus músculos; tensos e doloridos, pareciam que tinham sidos esmagados por um moedor de carne. Terrivelmente moídos. Aquela foi a viagem mais longa de seus intensos dezoito anos de existência. No início, a ansiedade a impediu de adormecer, mas com o passar daquelas maçantes horas, foi vencida pelo cansaço e a extensa playlist foi sua companhia dentro do avião. Seu gosto pela musica era um tanto questionável, visto que a jovem lutadora apreciava os delirantes toques da música eletrônica. Aquelas que combinavam bem quando ela resolvia socar a parede enquanto treinava Muay thai .

Desembarcar em solo japonês significava a realização de um sonho para a Brasileira. Gabrielle não era apenas uma simples lutadora que almejava seu espaço, e algum dia chegar ser campeã mundial, mas sempre foi uma mulher guerreira que aprendeu desde os seus primeiros anos de vida a enfrentar desafios.

Sua mãe; Maitê, era uma usuária de crack, que após se prostituir com um homem qualquer numa esquina, para sustentar o vicio, engravidou. A bebê nasceu prematura, com inúmeros problemas de saúde, que foram superados com muita determinação. Maitê viera a falecer de overdose quando sua filha já tinha nove anos de idade, e desde então Gabrielle foi criada pela vó materna, onde recebeu todo carinho e educação de que necessitava para crescer bem.

Desde a infância ela mostrava uma paixão pelas artes marciais milenar, de origem Tailandesa e se entregou a ela como uma forma de aliviar suas emoções agressivas, e extravasar as frustrações. Ela havia se encontrado no esporte, e fizera dela a alavanca para prosseguir em meio as dificuldades materiais e intimas.

Gabrielle fixava perdidamente a vista pela janela, quando foi tocada no ombro pela aeromoça , avisando que já havia chegado o momento de descer. Gabrielle levantou o olhar e conferiu que ela era a ultima passageira ali.

Ela sorriu, um tanto sem graça, e pegou suas bagagens de mãos; e saiu apreensiva, ainda temendo o que a aguardava num país distante, com uma cultura desconhecida. Ela não sabia como agir ou o que fazer e isso à preocupava bastante .

Após os estressantes procedimentos burocráticos de saída , ela enfim atingiu a recepção do aeroporto , e passou os olhos por todos os lados em busca do homem que a auxiliaria na temporada em que ficaria no Japão, uma vez que não possuía um técnico oficial.

Logo ela avistou o rapaz segurando uma placa com seu nome " Gabrielle Saturno " . Mesmo que os dois já tivessem se "conhecido" com os recursos da internet , ele era bem mais gordo do que parecia no Face time . Sim. Ele era um japonês gordinho, de moicano, tingido de rosa. Gabrielle riu disfarçadamente do quanto ele ficava ridículo daquele jeito.

Ele rondava pela casa dos trinta, e seria uma espécie de guia turístico da lutadora:

- Gabi!! É um prazer conhece-la. - Ele fitou os seios dela por cima de uma camiseta branca, e uma jaqueta de couro surrada e envelhecida. - É ainda mais linda, pessoalmente.

- Obrigada - Ela revirou os olhos , de desgosto , nem um pouco à vontade com aquele sujeitinho.

O japonês soltou a placa, puxou-a pela cintura com a mão esquerda e se afogou no corpo da moça, num abraço de urso. A cara dele ficava na altura dos bustos de Gabrielle.A lutadora em cima da cabeça dele, tentando se desvencilhar do baixinho pervertido. Com os seus 1,80 de altura, ela conseguiu empurra-lo propositalmente de sí:

- Seja bem-vinda a capital, onde tudo acontece! - Ele estendeu os braços e deu uma voltinha entusiasmado - Vamos! Vou te mostrar as coisas por aqui - Ele pegou algumas bagagens de Gabrielle, para ser hospitaleiro. Não que ele achasse que ela precisava de ajuda com todos aqueles músculos, mas apenas para parecer que ele não era um completo inútil.

A lutadora seguiu o japonês em direção ao estacionamento:

- Bom, como você já sabe - dizia ele - Meu nome é Lee. Sou estilista, designer,publicitário e produtor pessoal. Basicamente, cuida da imagem das pessoas. Ou seja ... Sua aparência é minha responsabilidade. - ele sorriu, estufando o peito - Eu só trabalho para famosos.

- Famosos? - ela olhou ao redor, ironicamente - Onde?

- Minha linda, se vencer as três primeiras lutas, você nunca mais será a mesma.Eu acredito no seu potencial. - Lee piscou para ela, maliciosamente - Ou acha que perderia meu tempo trabalhando para você?

- Trabalhando? Como assim? Não foi a federação quem te mandou?

Lee riu estridentemente, deixando a mostra seus dentes extremamente brancos e falsos, e evidenciando suas veias jugulares:

- Tem muita coisa pra você aprender ainda. É muito crua , Saturno.

- Pra uma pessoa tão pequena, você tem muita coragem, não é mesmo? Quero ver se você vai continuar com essa arrogância toda quando só tiver dois dentes na boca.

Lee riu , novamente :

- Gosto do seu senso de humor, Gabi , aliás , posso te chamar assim ?

- Não, não pode. Pra você é Gabrielle ou Saturno. Um dos dois.

- Que mãe em sã consciência daria o nome de um planeta para a filha? - ele riu enquanto abria o porta malas do conversível e jogando as malas da lutadora lá dentro.

- Uma drogada! - Gabrielle respondeu, seca. Um turbilhão de flashbacks passava em sua cabeça naquele momento.

Lee fixou Gabrielle em seus olhos verdes e ficou paralisado diante da informação. Depois desviou o olhar e começou a rir sarcasticamente.

- Não é uma piada. - Ela sussurra jogando o restante da bagagem no porta malas.

- O que?

- Estou falando sério, Lee.

- É melhor que não use essas porcarias, porque se usar...bom...pode dar adeus a sua carreira por aqui. Que aliás, nem começou.

Gabrielle deu de ombros. A fama não a iludia, e não esperava que eclodisse,apenas queria levar o título para a casa e ser o orgulho da comunidade no Rio de Janeiro. O dinheiro era uma consequência boa, mas estava longe de ser sua prioridade.

- Belo carro - Gabrielle alisou a lataria.

- Você vai poder comprar vinte desses quando for a lutadora numero um do oriente. - Ele fechou o porta malas e entrou no possante, seguido da lutadora.

Gabrielle aproveitou para observar as belezas de Tóquio, no trajeto. Eles eram civilizados até mesmo para dirigir. Ruas limpas, ciclistas, estudantes, homens de negócios em seus ternos escuros, comércios agitadíssimos, idosos, e uma grande aglomeração nos trens e metrôs ... tudo se mostrou como naqueles filmes de ação oriental.

Lee, logo após quarenta minutos dirigindo pela cidade, parou o carro em frente a um prédio de seis andares, e entrou pela garagem. Gabrielle ficou seperguntando onde estariam. Imaginou que Lee estivesse passando em sua residência antes de seguirem pra o seu destino. Mas não foi isso que aconteceu, um porteiro muito simpático levou as malas para o apartamento, e assim que ele saiu, a lutadora questionou:

- Onde estamos? Não deveria ter me levado para o alojamento da federação?

Lee sorriu e encarou Gabrielle:

- Mudança de planos, lutadora.

- Como assim?

- Desça do carro que eu te explico tudo!

Gabrielle obedeceu ao que o gordinho havia pedido, mas ao abrir a porta do conversível,a lutadora notou uma presença bem atrás dela. Do outro lado da rua, uma figura estava parada à encarando. A silhueta era de uma mulher, um tanto magricela para o gosto da lutadora. O corpo estava coberto com um tipo de vestimenta estranha.O traje era todo escuro, com detalhes prata. O rosto estava coberto e apenas os olhos estavam de fora, estes que brilhavam como algo que Gabrielle nunca tinha visto em sua humilde vida, aquilo arrepiou o seu coro cabeludo e fez o seu coração disparar.

Em um piscar de olhos a tal mulher havia desaparecido dali, como em um passe de mágica.

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