— O mundo nunca foi justo. — Afirmou Jorge.Ele suspeitava que Isabela ainda enxergava as coisas de forma idealizada, já que estudar Direito era uma coisa, mas ver como a justiça funcionava na prática era algo completamente diferente. Muitas vezes, trabalhar nos limites da lei se tornava necessário para atingir certos objetivos, e nem sempre se tratava apenas de buscar a justiça. Desde o início dos tempos, a injustiça não era exclusividade de um país ou outro, era uma realidade universal, presente em todos os cantos do mundo.Isabela mergulhou num silêncio reflexivo. Ela já sabia disso, era claro. A vida nunca foi justa. Desde o momento em que nasciam, os destinos já eram moldados por fatores que estavam completamente fora do controle. Algumas pessoas vinham ao mundo em meio à pobreza extrema e, para mudarem de vida, precisavam lutar incansavelmente contra obstáculos intransponíveis. Outras já nasciam cercadas de luxo e privilégios incontestáveis. Para aquelas que naciam ricas, o qu
Na verdade, não era que a família não pudesse criar a menina. Eles simplesmente queriam ter um filho homem. Devido à rígida política de controle de natalidade vigente na época, seriam severamente multados caso tivessem mais de um filho e, incapazes de arcar com essa penalidade, optaram por deixar a pequena sob os cuidados dos avós.A criança jamais chegou a ter documentos oficiais. Era considerada uma filha excedente, nascida fora da cota permitida pelo governo. Para registrá-la legalmente, seria necessário pagar uma taxa substancial, mas a família alegava não ter recursos para isso ou, mais provavelmente, não julgava que valia a pena investir numa menina. Era apenas mais uma boca para alimentar, um fardo desnecessário na visão da tia.Os vizinhos frequentemente comentavam sobre os maus-tratos. A tia batia na sobrinha por qualquer motivo, xingava-a e muitas vezes a deixava passar fome como castigo. E quanto aos avós? Não tinham coragem suficiente para defendê-la, temerosos de desagr
Assim que pisaram em terra firme, Viviane agarrou Isabela pelo braço com urgência. O outro iate estava se aproximando rapidamente do cais, e se permanecessem ali por mais um minuto sequer, Isabela inevitavelmente encontraria Sandro. "Que dia desastroso. Primeiro, o Jorge apareceu do nada durante o que deveria ser uma comemoração tranquila, e agora, como se não bastasse, o Sandro também decidiu aparecer no mesmo lugar!".— Isa, será que na hora que você nasceu não olharam direito o calendário? — Brincou Viviane.Senão, não tinha explicação para tanto azar concentrado numa pessoa só!Isabela ficou sem palavras, seu rosto virou uma mistura de confusão e resignação. Antes que conseguisse sequer responder, a outra embarcação já havia atracado no cais.Fabiano foi o primeiro a desembarcar com seu característico ar despreocupado. Assim que avistou Viviane, abriu um sorriso largo e caminhou diretamente em sua direção.— Olha só que coincidência! — Exclamou ele com falsa surpresa. — Você tamb
— Eu te levo para casa. — Ofereceu Jorge com naturalidade.— Tudo bem. — Isabela acenou sem hesitação. Finalmente, incapaz de se conter por mais tempo, Sandro esqueceu o orgulho. Avançou num impulso e agarrou o pulso dela com força.— Isa... — Sua voz soou quase suplicante.Isabela se virou devagar para encará-lo, indagando com frieza:— Algum problema, Sr. Sandro?A distância e indiferença naquelas simples palavras o atingiram como um soco violento no peito. Sandro sentiu o coração literalmente doer.— Fe... Feliz aniversário. — Ele conseguiu dizer com voz rouca, engolindo em seco antes de ir direto ao ponto. — Isa, eu me arrependi de tudo. Vamos nos casar de novo.Jorge imediatamente apertou o braço de Isabela num gesto protetor. Ela, por sua vez, soltou um riso curto e sem qualquer traço de humor.— Ah, já que está me dando os parabéns, então vou fazer um pedido. — Disse ela, inclinando levemente a cabeça enquanto seus olhos transbordavam desprezo. — Eu desejo sinceramente que você
Sandro sentiu o sangue ferver, subindo por suas veias e queimando como lava. Se antes ele ainda nutria alguma esperança de reconciliação, agora não restava absolutamente nada. A verdade o atingiu como um golpe certeiro. Isabela realmente queria ir embora, não desejava mais estar ao seu lado.Ele simplesmente não conseguia aceitar aquela realidade!Dentro do carro, Isabela prendeu o cinto de segurança com movimentos mecânicos. Embora pudesse ouvir claramente os gritos enfurecidos de Sandro do lado de fora, não demonstrou qualquer reação.Jorge virou o rosto para observá-la e, ao constatar sua impressionante impassibilidade, um leve sorriso de satisfação surgiu no canto de seus lábios. Deu partida no veículo com tranquilidade, fazendo o motor ronronar potentemente antes de girar o volante e acelerar suavemente, permitindo que o carro deslizasse pela pista como uma sombra elegante na noite.Quando finalmente se afastaram por completo da área do cais, Isabela quebrou o silêncio que paira
Jorge desligou o telefone e já se preparava para sair do carro quando um toque insistente ecoou pelo interior do veículo. Ao olhar para o lado, percebeu que o celular de Isabela tinha ficado esquecido sobre o banco do passageiro.Ele pegou o aparelho e na tela iluminada um nome chamou sua atenção imediatamente: "Mamãe". Um sorriso espontâneo surgiu nos seus lábios enquanto se lembrava daquela mulher calorosa. Lara era, no mínimo, uma figura divertida. E talvez agora ele tivesse um bom pretexto para procurar Isabela novamente?Com o celular em mãos, saiu do carro, tomou o elevador até o térreo, atravessou a rua e entrou no prédio de Isabela. Enquanto aguardava o elevador no saguão, o telefone tocou de novo com insistência.Jorge hesitou brevemente. Já passava da meia-noite, e se a mãe dela ligava repetidamente àquela hora, poderia ser algo urgente. Decidiu atender, mesmo sabendo que não era apropriado.Nem teve tempo de pronunciar uma saudação quando a voz animada de Lara já ecoava do
Isabela suspirou com visível desconforto e acenou.— Você não devia ter atendido aquela ligação. — Disse ela, sentindo as primeiras pontadas de dor de cabeça começarem a incomodá-la.Não estava culpando Jorge, na verdade. O problema era que agora não tinha como explicar a situação para sua mãe. Com ele atendendo seu telefone àquela hora da noite, seus pais certamente pensariam que eles estavam juntos o tempo todo. E eles realmente estavam desde cedo, mas não da maneira que seus pais imaginavam.— Posso ir com você encontrar seus pais. — Sugeriu Jorge naturalmente.Isabela o encarou em silêncio por alguns instantes, incrédula. Será que ele tinha noção do que estava propondo?— Você tem ideia do que minha mãe vai pensar sobre você? — Ela questionou, sem acreditar na tranquilidade com que ele fazia aquela sugestão. — Vai pensar que sou seu namorado, né? — Jorge abriu um sorriso maroto. — Se você não me levar, eles vão ficar te interrogando, e isso só vai piorar sua dor de cabeça, concord
— Então, Dr. Jorge, descanse bem. — Isabela se despediu com um tom cordial.— Até amanhã.— Até amanhã!...O toque insistente do celular arrancou Isabela do sono logo nas primeiras horas da manhã. Ainda sonolenta, ela tateou o criado-mudo, pegou o aparelho e atendeu com voz arrastada:— Alô...— Meu marido se arrependeu. Não quer mais concordar com o acordo nem retirar a queixa. — Disparou a cliente, com voz visivelmente aflita.Num piscar de olhos, Isabela despertou completamente. Como assim? Bastou uma noite e ele já tinha voltado atrás? Preocupada com as possíveis complicações, decidiu que precisava resolver aquela situação ainda hoje.— O que aconteceu exatamente? — Isabela perguntou, sentando-se na cama enquanto esfregava os olhos para espantar o sono. — Calma, me conte tudo devagar.— Eu não sei direito... — A mulher hesitou. — Ele acabou de me mandar uma mensagem dizendo que se arrependeu de ter assinado o acordo de conciliação e que não vai mais retirar a queixa. Mas ele já as